Mostrando postagens com marcador biogeografia histórica. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador biogeografia histórica. Mostrar todas as postagens

sábado, 29 de junho de 2013

Campinas amazônicas sofrem com descaso e super exploração

Thaís Brianezi*

As várias Campinas amazônicas.

Um grupo de cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro e da Fundação Vitória Amazônica (FVA) encaminhou em maio uma moção ao Conselho Estadual de Meio Ambiente do Amazonas, solicitando medidas para a proteção das campinas amazônicas. Entre os pontos que mais preocupam os pesquisadores está a Resolução Nº 15/2013, aprovada em abril, que permite a implantação de projetos agrícolas, de silvicultura ou extrativismo de até 10 hectares nesse frágil ecossistema. 

O Amazonas possui o maior conjunto de campinas da Amazônia, distribuídas principalmente no noroeste, sul e sudeste do Estado. Mas elas estão presentes também nos demais estados brasileiros que compõem o bioma amazônico e se caracterizam tanto pelos campos naturais abertos, geralmente de solo arenoso e periodicamente encharcado, quanto pelas florestas ralas que os circundam (também chamadas de campinaranas). 

“A classificação legal das campinas como ambientes menos vulneráveis é grave, porque é justamente o contrário. O foco das políticas ambientais na Amazônia tem sido a floresta, mas as campinas, embora tenham biodiversidade menor, são ecossistemas ricos e muito suscetíveis à degradação”, explicou Sérgio Henrique Borges, coordenador do programa de pesquisa científica da FVA

Por se localizarem em áreas de nascentes de rios, as campinas amazônicas foram classificadas pela comunidade científica internacional como áreas úmidas. Ou seja, isso significa que elas estão protegidas pela Convenção Ramsar, da qual o Brasil é signatário. 

No macrozoneamento elaborado pelo governo do Amazonas e aprovado pela Assembleia Legislativa em 2010 as campinas tiveram enquadramento mais adequado do que o concedido na Resolução 15/2013. Elas foram incluídas na zona de “uso especial” (categoria 3) e, dentro dela, consideradas “ecossistemas frágeis” (subcategoria 3.4).

A moção enviada pelos cientistas é fruto do simpósio “Campinas amazônicas: origens, biodiversidade e conservação”, realizado em Manaus, no Inpa, nos dias 17 e 18 de abril. O Conselho Estadual de Meio Ambiente do Amazonas criou um Grupo de Trabalho (GT) para tentar operacionalizar as sugestões apresentadas pelos pesquisadores. Em nota técnica assinada pela engenheira florestal Neila Cavalcante e pela engenheira de pesca Christina Fischer, ambas do Centro Estadual de Unidades de Conservação (CEUC), a Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS) informou que os “campos naturais” são “passíveis de serem considerados como paisagens notáveis de grande relevância para a proteção da biodiversidade” e que a referida moção “pode ser um indutor para novos estudos que possibilitem estudar a modificação da Resolução”.

Biodiversidade pouco conhecida
“As campinas são como ilhas no meio da floresta. Elas polvilham toda a Amazônia – e essa distribuição insular tem consequências para a fauna e para a flora. Quando se tornam acessíveis, como pela abertura de uma estrada, são rapidamente degradadas – e sua regeneração é ainda mais difícil que a da floresta”, alertou Borges.

Uma matéria de 2009 publicada por Vandré Fonseca em ((o))eco já chamava a atenção para a riqueza biológica das campinas, pouco conhecida. Em projetos de cooperação entre a Ufam, FVA, Unesp de Rio Claro e Inpa, com financiamento das fundações estaduais de fomento à pesquisa do Amazonas e de São Paulo (respectivamente, Fapeam e Fapesp), cientistas identificaram 151 espécies de aves comuns nesses ecossistemas. Dessas, 127 eram regulares, provavelmente vindas de outros ambientes, e 24 eram especialistas, ou seja, encontradas exclusivamente ou quase exclusivamente nas campinas. 

Para mapear apenas essa parcela da rica avifauna das campinas, foram necessárias 7.743 horas de trabalho de campo. A coleta (com rede) aconteceu em 30 locais distribuídos nas quatro áreas destacadas no mapa abaixo: ao longo do rio Aracá, no Parque Nacional (Parna) do Jaú e na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Uatumã, no norte do Amazonas, e no Parque Nacional Viruá, em Roraima. 

Ao clicar em pontos do mapa, é possível ver imagens de três aves especialistas encontradas no estudo: a Guaracara do Topete Vermelho (Elaenia ruficeps), o Pretinho (Xenopipo atronitens) e uma gralha da espécie Cyanocorax helprini. E, também, acessar outras fotos tiradas durante a pesquisa, que ilustram a diversidade de paisagens nas campinas e algumas das ameaças que elas vêm enfrentando. 


Campinas amazônicas. | Clique na imagem para acessar o mapa interativo.

Ecossistemas ameaçados

Ao contrário da floresta, as campinas não têm um acompanhamento sistemático de seu estado de conservação. A falta de dados sobre a área total delas e o percentual já degradado se dá, em parte, pela natureza do próprio monitoramento remoto: nas imagens por satélite, os campos naturais da Amazônia podem ser confundidos com áreas desmatadas. “Já vi uma campina de mil hectares, dentro do Parque Nacional do Jaú, ser classificada pelo Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] como desmatamento, com base em imagens do Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais]”, revelou Borges. 

Essa lacuna de dados se torna ainda mais preocupante quando se sabe que as campinas estão sendo exploradas de forma predatória para a extração de areia destinada à construção civil. Isso ocorre tanto nas proximidades de Manaus, Manacapuru e Novo Airão, no Amazonas, quanto ao longo da rodovia BR-174, no Amazonas e em Roraima. 

Já no sul e sudeste do Amazonas, a pressão sobre as campinas vem principalmente de latifundiários, camponeses e grileiros. “É tentador fazer o primeiro plantio em uma campina, porque não tem que derrubar árvores de grande porte, então o trabalho é menor. Mas se a pessoa for um agricultor experiente, vai perceber que o solo não serve para a agricultura”, afirmou Borges. 

Além da ação humana, as campinas na Amazônia enfrentam também a ameaça dos incêndios naturais. Em 1997, por exemplo, o fogo destruiu 241 hectares da campina do Patuá (o que representa 21% de sua área), localizada no Parque Nacional do Jaú

O caso do Parque Estadual da Serra do Aracá 

Uma das recomendações feitas pelos cientistas na moção enviada ao Conselho Estadual de Meio Ambiente do Amazonas é a ampliação do Parque Estadual da Serra do Aracá, de forma a incluir na área protegida 450 mil hectares de campinas amazônicas. Essa Unidade de Conservação fica em Barcelos, ao norte do Estado, e foi criada em 1990, com uma área de 1.818.700 hectares. 

A redefinição dos limites do Parque Estadual da Serra do Aracá vem sendo estudada desde novembro do ano passado por um grupo de trabalho (GT) no âmbito da CEUC-SDS. A criação desse grupo de trabalho foi motivada pelo pedido da Associação Yanomami Hutukara, em virtude da sobreposição de parte da Unidade de Conservação com a Terra Indígena. 

Na proposta apresentada pelos membros do GT em abril, o Parque Estadual da Serra do Aracá passaria a ter 874.121 hectares, ou seja, 48% de sua área original. Ele perderia 1.560.869 hectares da área sobreposta, que continuaria protegida, já que é parte da Terra Indígena Yanomami. E, como compensação, a Unidade de Conservação estadual englobaria 617.290 hectares de sua zona de amortecimento: uma área com campinas naturais e igapós, onde estão as cabeceiras dos rios mais importantes da Bacia do Demeni (como o Cueiras e o Jauari).

Com apoio do laboratório de geoprocessamento da FVA, os membros do GT do CEUC-SDS estão definindo agora os limites exatos do novo polígono sugerido para o Parque. Quando esse trabalho for concluído, será agendada uma audiência pública em Barcelos, para apresentar e debater a proposta.

 *Essa matéria foi produzida por Thaís Brianezi para o projeto “Flag It” e publicada originalmente em ((o)) eco Reportagens em 27 de Junho de 2013.

Leia também
As campinas da Amazônia
Infográfico: Sítios Ramsar na América do Sul
Uma ponte perto demais

domingo, 16 de junho de 2013

Darwin é acusado de se apropriar de ideias de Wallace

Artigo questiona se Charles Darwin se beneficiou do acesso privilegiado às ideias inéditas de Alfred Russel Wallace que acabaram sendo fundamentais para a conclusão da obra Origem das Espécies.



Considerado como um coadjuvante no descobrimento da Teoria da Evolução, Alfred Russel Wallace pode ter tido um papel muito mais proeminente, sugere um artigo de Roy Davies recentemente publicado na revista Biological Journal of the Linnean Society. Baseado em uma análise cronológica da produção científica de Wallace e Darwin e das correspondências trocadas pelos pesquisadores entre si e outros colegas, Davies questiona o pioneirismo individual de Darwin e sugere que ele pode ter se beneficiado das ideias de Wallace sem o devido reconhecimento e crédito.

'A Brazilian Forest, with characteristic Mammalia'. Figura do livro The Geographical Distribution of Animals (Wallace, 1876).


Diferentemente de Darwin, Wallace sempre valorizou a importância da geografia na compreensão da diversificação biológica no planeta, sendo considerado o fundador da biogeografia histórica. Em 1848, Wallace partiu em direção à sua primeira grande experiência em uma viagem para a Amazônia brasileira junto com Henry Walter Bates para aprofundar seus estudos em história natural e investigar a origem das espécies. Ele estudou aves, macacos e borboletas em seus habitats naturais e percebeu que barreiras físicas, como os rios da Amazônia, limitavam a distribuição de muitas espécies próximas.

Arquipélago Malaio. Repleto de ilhas de variados tamanhos, o arquipélago forma um ambiente promissor para a diversificação das espécies, dificultando a dispersão de indivíduos e favorecendo o isolamento reprodutivo.


Após quatro anos na Amazônia, Wallace deixou o Brasil em direção à Europa com espécimes e uma interpretação recém concebida sobre a origem das espécies, mas por um capricho do destino praticamente todo o material coletado se perdeu em um barco afundado em pleno Atlântico. Se o período na Amazônia sugeriu a Wallace a importância dos rios como barreiras na diversificação da biota, foi no sudeste Asiático onde ele levou essas ideias além e desenvolveu sua interpretação sobre a evolução biológica e sua expressão geográfica. Em 1855, Wallace publicou um artigo debatendo a importância da extinção e descendentes com modificação como elementos fundamentais no processo de mudança das espécies ao longo do tempo, que ficou conhecido como 'Lei de Sarawak'. No ano seguinte, Wallace publicou um artigo sobre aves discutindo a ideia dos descendentes com modificação, inevitavelmente se firmando como um problema iminente ao pioneirismo de Darwin.


Em 2013 se comemora o centenário da morte de Alfred Russel Wallace (English Heritage).


Wallace escreveu poucas cartas para Darwin, mas a análise de Davies ressalta que o conteúdo de duas cartas contendo suas principais ideias tenha sido determinante para Darwin complementar seu trabalho. Os fatos indicam que Darwin foi rapidamente incorporando essas ideias de Wallace, tendo escrito mais de 60 páginas após o conteúdo privilegiado ter chegado pelo correio. Darwin alegou um atraso de 4 meses para a primeira e 2 semanas para a segunda carta de Wallace, mas segundo Davies os registros históricos dos correios na Inglaterra indicam que ele funcionava perfeitamente bem e as chances de um atraso longo e repetido nas duas cartas de Wallace é mínimo. Até então as ideias publicadas por Darwin não eram convincentes, mas a publicação da Origem das Espécies em 1859 mostra que a incorporação dos conceitos apurados por Wallace anos antes foram imprescindíveis para a abrangência da teoria. 


Veja o artigo na íntegra:

terça-feira, 21 de maio de 2013

Wallace online

Em 2013 fazem 100 anos da morte de um dos maiores naturalistas da história, Alfred Russel Wallace. Co-autor da "teoria da evolução", Wallace também é considerado um dos pais da Biogeografia e foi pioneiro na observação de padrões espaciais de distribuição da diversidade biológica na bacia Amazônica. Em 1852 ele publicou um artigo intitulado "On the monkeys of the Amazon" na série Proceedings da Zoological Society of London, no qual introduziu a hipótese de rios como barreira para distribuição de espécies na Amazônia. Em especial, destacou o papel dos rios Negro, Amazonas e Madeira como barreiras geográficas para a distribuição de macacos.


Este e outros trabalhos são frutos de uma viagem que o naturalista iniciou aos 25 anos na floresta Amazônica viajando pelos rios Amazonas e Negro entre 1848 e 1852. Wallace observou e descreveu alguns costumes dos povos indígenas e das cidades por qual passou, e realizou extensa coleta e documentação de dados sobre a biodiversidade de espécies. O relato completo desta viagem pode ser lido no livro "A narrative of travels on the Amazon and Rio Negro".


" An earnest desire to visit a tropical country, to behold the luxuriance of animal and vegetable life said to exist there, and to see with my own eyes all those wonders which I had so much delighted to read of in the narrative of travellers, were the motives that induced me to break through the trammels of business and the ties of home, and start for 
'some far land where endless summer reigns '."
(prefácio de "A narrative of travels on the Amazon and Rio Negro", A. R. Wallace - 1853)

Diversas publicações e ilustrações científicas de Alfred R. Wallace estão atualmente disponíveis online para download em http://wallace-online.org/.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Discussão do Artigo "The historical biogeography of Mammalia" - Springer et al. 2011.

Olá a todos,

bom, retomando as discussões de Biogeografia, convido a todos para participar da discussão do artigo " The historical biogeography of Mammalia" - Springer et al. 2011.

Fig. 5 - Hipóteses alternativas para a dispersão dos ancestrais de Platytthine (macacos do Novo Mundo) e Caviomopha (roedores do Novo Mundo).


O artigo discute um pouco como os diferentes métodos de análise biogeográfica podem influenciar os resultados e propõem um panorama comparado para a diversificação dos mamíferos placentários.

A reunião irá acontecer no dia 22/05, as 14h no auditório do BADPI.

Quem tiver interesse é só entrar em contato e participar.

Abraços e até lá,

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Diversification of the Amazonian biota: reconstructing a complex history


Voltamos às atividades do grupo em 2010 com uma palestra do Dr. Joel Cracraft, curador da coleção de Aves do American Museum of Natural History, NY, EUA. O Dr. Cracraft teve papel importante na evolução da teoria em sistemática, biogeografia e padrões de diversificação, tendo estudado a avifauna de diferentes regiões do mundo. Atualmente, suas principais linhas de pesquisa são: relações filogenéticas entre os grandes grupos de Aves; diversificação e evolução de biotas; teoria e métodos em sistemática e biogeografia; biogeografia histórica e diversificação da biota Neotropical, com ênfase na avifauna Amazônica.

Os principais interesses de sua pesquisa são compreender que mecanismos influenciam a origem e extinção das espécies, que processos no passado foram responsáveis pela origem dos padrões de diversidade e endemismo que vemos hoje e como a história da Terra se relaciona com a evolução das biotas.

A palestra será na sexta feira, dia 5 de fevereiro, às 17hs, no auditório da Biblioteca do INPA.

O Dr. Cracraft também gostaria de conhecer e conversar com pesquisadores interessados em diversificação e biogeografia da Amazônia, na sexta, dia 5, em horário a ser definido. Quem tiver interesse contactar: camilaribas@gmail.com

Dia 25 de fevereiro recomeçam nossas reuniões quinzenais. Aguardamos sugestões de temas e textos!

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Biogeografia histórica, ecologia e riqueza de espécies

Cada vez mais a tendência ao se estudar biogeografia - e na verdade qualquer outra área - é a integração com outros campos de pesquisa. Esse foi o tema discutido na primeira reunião e na segunda vimos um exemplo prático de integração com as ferramentas moleculares: a importância da incorporação de informação temporal nos cladogramas.

Um outro componente que tem sido ignorado na biogeografia histórica é a ecologia. Wiens e Donoghue (2004) abordam esse assunto em seu artigo. A biogeografia histórica pode contribuir para a ecologia principalmente em dois pontos: (i) no estudo de padrões de riqueza de espécies em larga escala, já que dispersão e/ou especiação in situ são os principais processos responsáveis pelos padrões regionais de riqueza; e (ii) no estudo de ecologia de comunidades, já que a composição local de espécies depende da composição regional que por sua vez depende de processos biogeográficos em larga escala.

Mas o que determina a distribuição de organismos em larga escala? As características ecológicas das espécies influenciam sua distribuição em escala local. Se levarmos em conta que o padrão de distribuição em larga escala é resultado da interação de processos ocorrendo em escalas menores, então as características ecológicas das espécies tem sim influência em padrões globais. Mas então, quais seriam esses processos? Um dos mais importantes é a dispersão. Mais especificamente, duas questões devem ser levadas em consideração: o processo de conservação filogenética de nicho (phylogenetic niche conservatism), que determina as características ambientais que os membros de um clado toleram, para quais regiões eles são capazes de se dispersar e quais são as barreiras encontradas para essa dispersão. Outra questão é a evolução de nicho (niche evolution) que permite que uma espécie se adapte em uma nova região climática ou condição biológica. Além disso, extinção e emigração também devem ser abordados.

Um bom exemplo para se entender a importância da integração entre ecologia e biogeografia história é o estudo do gradiente latitudinal de riqueza de espécies. Na figura ao lado, cada ponto representa uma espécie. No cenário (a) vemos uma abordagem puramente ecológica, com correlações entre riqueza de espécies em escala local e regional e as características ambientais que influenciam o padrão observado, sem levar em consideração dispersão, especiação e extinção. É uma tentativa de se responder o porquê do padrão de riqueza somente com informações sobre quantas espécies estão presentes no tempo atual. No cenário (b), as informações históricas são incorporadas, permitindo uma análise mais robusta do porquê da distribuição atual das espécies. Com a integração da biogeografia histórica, é fácil perceber que a maioria dos clados teve origem nos trópicos, ou seja, mais tempo para se especiar nas regiões tropicais. Mais área nos trópicos, há cerca de 30-40 milhões de anos atrás, pode ter favorecido a especiação. Além disso, a conservação de nicho pode ter contribuído para poucas espécies terem sido capazes de desenvolver adaptações para regiões temperadas.

Em teoria, tudo funcionando muito bem. Mas, e na prática? Como incorporar as características ecológicas nos modelos de biogeografia? Nosso conhecimento é limitado no que diz respeito a quais espécies ocorrem em um determinado local, quem dirá sobre a ecologia dessas espécies. A solução seria então restringir a amplitude da quantidade de espécies estudadas, focando grupos menores em uma escala espacial mais ampla? Ou então partir para o campo para tentar cobrir as lacunas? Quem sabe os dois juntos, de maneira integrada?

Características ecológicas e a diversificação de plantas nos trópicos
Um artigo publicado recentemente por Pennington et al. (2009) mostra a aplicação de características ecológicas na explicação da história evolutiva e biogeografia de árvores de Florestas Tropicais Sazonalmente Secas (Seasonally Dry Tropical Forests - SDTF). Esses ambientes ocorrem em regiões com pluviosidade anual média menor do que 1.800 mm e com um período seco de 5 a 6 meses, com pluviosidade menor do que 100 mm. Há uma grande variedade de fisionomias de acordo com a variação da pluviosidade, entretanto a vegetação é predominantemente decídua durante a estação seca, possui raras gramíneas e espécies com ausência de adaptações ao fogo, diferentemente de áreas de savana que a circundam.

Mesmo local em área de SDTF no norte de Minas Gerais (Parque Estadual da Mata Seca) durante a estação chuvosa e a estação seca.

Estão distribuídos em manchas disjuntas pelos neotrópicos e os autores acreditam que essa distribuição fragmentada persiste há tempo suficiente para influenciar a diversificação de sua vegetação. É um ambiente com alta diversidade beta, com grande variação taxonômica de acordo com a distância entre as manchas de ocorrência, tanto para famílias quanto para espécies. Além disso, Gentry (1995) propôs a hipótese do "gradiente latitudinal reverso" para SDTF, já que, ao contrário de florestas úmidas, áreas com maior riqueza estariam distantes do equador.

Levando em conta essas particularidades das SDTF aliado à estudos filogenéticos, alguns aspectos surgiram para explicar a história evolutiva desses ambientes:

1. Muitos dos clados estão confinados ou concentrados em SDTF, evidenciando a hipótese da conservação filogenética de nicho. Isso indica que a probabilidade de espécies de mata seca se dispersarem para outra mancha distante é maior do que a probabilidade de uma espécie de um bioma adjacente desenvolver adaptações necessárias para ocupar uma área de SDTF.

2. Espécies endêmicas confinadas à uma certa área de SDTF são monofiléticas e relativamente antigas, frequentemente datadas de antes do Pleistoceno, sugerindo que espécies adaptadas à essas condições de seca tendem a permanecer confinadas à esses ambientes através do tempo evolutivo, ou seja, uma limitação de dispersão que resulta em populações pequenas.

3. Espécies irmãs geralmente ocupam o mesmo núcleo de SDTF, indicando alto grau de estrutura geográfica filogenética e alta limitação de dispersão ao longo da história entre núcleos de SDTF. Explicações para esse fato podem ser buscadas na teoria de biogeografia de ilhas, como a grande distância entre as áreas ou pequeno tamanho de áreas.

Levando em conta essas características, Pennington et al. (2009) se referem aos núcleos de SDTF como uma metacomunidade global e hipotetizam que a estabilidade do bioma e a limitação de dispersão de propágulos explicam o padrão de distribuição de espécies, a estrutura genética da população e a estrutura geográfica filogenética de espécies vegetais de SDTF. Além disso, a hipótese da conservação do nicho explica a nítida separação da evolução desse bioma em relação aos demais biomas neotropicias. Espécies com um ancestral não adaptado às condições de seca teria pouca chance de se inserir nas matas secas. Dessa forma, esse é um exemplo como características ecológicas podem sim influenciar a diversificação de plantas nos trópicos.


Referências:

Gentry (1995). Diversity and floristic composition of neotropical dry forests. In: Bullock SH, Mooney HA, Medina E, eds. Seasonally Dry Tropical Forests. Cambridge: Cambridge Univ.Press. pp. 146–94

Pennington, Lavin e Oliveira-Filho (2009). Woody plant diversity, evolution and ecology in the tropics: perspectives from seasonally dry tropical forests. Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics 40:437-457.

Wiens e Donoghue (2004). Historical biogeography, ecology and species richness. TREE 19:639-644.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Biogeografia integrativa: resolvendo nós e ampliando laços

A biogeografia é um ramo da ciência essencialmente multidisciplinar que está em plena revolução metodológica em grande parte causada pela influência das ferramentas moleculares. As técnicas empregadas vem reduzindo o abismo entre estudos microevolutivos (tamanho/estrutura populacional, expansão/contração de distribuição geográfica, taxas de migração, dispersão em longa distância, etc.) e macroevolutivos (especiação, extinção, composição de biotas), podendo revelar espécies crípticas em casos em que não existe variação morfológica evidente. Uma contribuição peculiar que as filogenias moleculares exercem é a possibilidade de incorporar o tempo nas análises espaciais, permitindo a datação de eventos cladogenéticos e o teste de hipóteses sobre eventos paleoclimáticos e geológicos.

Caminhos paralelos
Basicamente, a biogeografia estuda a distribuição geográfica dos seres vivos, mas abriga vertentes distintas, como a biogeografia histórica e a biogeografia ecológica (Crisci 2001). Para ambas, a diversidade biológica é resultado da história da vida no planeta expressa através de mudanças de forma no espaço e no tempo. Porém, a biogeografia ecológica tem estudado processos ecológicos determinantes dos padrões de distribuição dos táxons geralmente em períodos curtos no tempo, enquanto a biogeografia histórica os processos que atuam em longos períodos (p.ex. milhões de anos). Aparentemente, a divisão entre essas tradições é uma limitação de ordem prática, pois a distribuição dos táxons não é resultado de processos ecológicos ou históricos agindo isoladamente, havendo uma necessidade de integrar essas linhas de pesquisa. Mesmo dentro da biogeografia histórica, existe uma diversidade de métodos e explicações que geram discussões acaloradas.

Um assunto polêmico com potencial de conciliação envolve a polarização entre vicariância e dispersão. Ambos os processos podem explicar a diversificação de populações. Para o modelo vicariante, duas populações se diferenciam após a separação de uma população ancestral pelo surgimento de uma barreira geográfica. Já o modelo de dispersão assume que a população ancestral foi capaz de dispersar além de uma barreira em algum momento no tempo, mas posteriormente foi isolada e acabou se diferenciando em duas linhagens distintas, como ilustrado na figura ao lado (extraída de Crisci 2001). Essas explicações não são mutuamente exclusivas, pois pode haver dispersão após um evento vicariante (Pennington e Dick 2004). De novo, as técnicas moleculares empregadas em biogeografia tem a capacidade integrar e quantificar esses padrões, o que permite o teste de hipóteses sobre a diversificação da biota na Amazônia de forma robusta.

O papel da filogeografia
A contribuição da filogeografia para o desenvolvimento da biogeografia histórica é imensa. A filogeografia vem sendo desenvolvida para estudar processos que determinam a distribuição geográfica de linhagens evolutivas em nível intra-específico ou, mais raramente, de espécies filogeneticamente próximas. Os métodos são dependentes do uso de dados moleculares e tem um viés quantitativo, herdado da genética de populações. Entretanto, embora haja muito em comum em suas premissas e objetivos, o desenvolvimento da filogeografia ocorreu de maneira relativamente independente do restante da biogeografia histórica. Segundo Riddle e Hafner (2006), a falta de integração entre filogeografia e biogeografia histórica pode ser vista pela incongruência entre o uso de termos, conceitos e métodos que são fundamentais para biogeografia histórica. Por exemplo, a falta de integração de métodos é refletida na raridade de estudos de filogeografia que consideram o conceito de área de endemismo, uma unidade fundamental de análise em biogeografia histórica. Em relação ao período de tempo, a maioria dos estudos filogeográficos (barra escura) aborda linhagens em nível intra-específico e por isso está concentrada em tempos recentes, enquanto que os estudos em biogeografia histórica (barra clara) estão mais bem distribuídos no tempo.

Um exemplo da Amazônia: da Silva e Patton 1993
É certo que considerar um ou poucos táxons é insuficiente para reconstruir a história de áreas geográficas. Contudo, o fato que a maioria dos estudos em filogeografia tenha sido feita em nível intra-específico não inviabiliza que estudos envolvendo vários táxons sejam feitos. Desde o início da década de 90, alguns estudos filogeográficos envolvendo populações de várias espécies visaram reconstruir a história biogeográfica de regiões. Como exemplo, achei um estudo que a Lelé desenvolveu com o James Patton na Amazônia (da Silva e Patton 1993). Eles estudaram 9 espécies de roedores arborícolas da família Echymidae pertencentes a 5 gêneros: Mesomys, Isothrix, Makalata, Dactylomis e Echimys. A idéia era testar se as populações das diferentes linhagens apresentavam concordância geográfica em suas diversificações, o que é um forte indício de uma história comum. Eles estudaram 65 indivíduos distribuídos entre 24 localidades (Venezuela, Peru, Brasil e Bolívia), usando sequências do gene citocromo b do DNA mitocondrial para determinar as relações filogenéticas. Os resultados indicam que existem mais de 20 haplótipos de citocromo b e que a distribuição deles tem uma forte estrutura geográfica. Eles indicam uma forte congruência na distribuição dos clados, sugerindo uma história vicariante em comum para esses gêneros. Por fim, eles estimaram em mais de 1 milhão de anos o tempo de divergência entre maiores clados dos gêneros, o que significa que a especiação alopátrica das linhagens que deu origem aos gêneros deve ter ocorrido antes do Pleistoceno.

A evolução da biogeografia
A perspectiva molecular está revolucionando os estudos biogeográficos, permitindo reconstruir a história da diversificação de populações, espécies e biotas com grande robustez. Cada vez mais, a obtenção de dados moleculares em grande volume será mais simples e viável. Por outro lado, ao embutir o tempo como dimensão, é possível também desenvolver modelos preditivos, por exemplo dos efeitos climáticos do aquecimento global sobre as populações e espécies na Amazônia, uma ferramenta importante no planejamento da conservação de espécies ameaçadas nas décadas seguintes. Além de solucionar antigas disparidades, as filogenias moleculares prometem levar a biogeografia a um patamar inovador, integrativo.

Para ler
  • Riddle et al. 2008. The role of molecular genetics in sculpting the future of integrative biogeography. Progress in Physical Geography 32(2):173–202.
  • Crisci 2001. The voice of historical biogeography. Journal of Biogeography 28:157-168.
  • da Silva e Patton 1993. Amazonian phylogeography: mtDNA sequence variation in arboreal echimyid rodents (Caviomorpha). Mol. Phylogenet. Evol. 2:243-255.

Para discutir

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Primeiros passos

Olá pessoal,

No encontro de 22/10 conversamos sobre o formato das atividades iniciais do grupo até o final do ano.

Basicamente, as atividades serão realizadas em reuniões periódicas no INPA e virtualmente através do blog: http://biogeoamazonica.blogspot.com/.

A princípio, as reuniões serão quinzenais, exceto a última devido à proximidade das festas de fim de ano. De acordo com o andamento, pretendemos fazer atividades semanais, sempre às quintas às 17h.

Em cada encontro, poderá ser feita uma apresentação breve (uns 10 min), embora não seja necessário apresentar o tema, pois a idéia é que todos leiam os textos antes e participem.

Além das datas, definimos os candidatos a conduzir as discussões.

05/11 - Saci
19/11 - Pedro Ivo
3/12 - Flávia Pezzini
10/12 - Igor Kaefer

No rodapé do blog coloquei uma agenda com a programação das atividades, tema, apresentador, etc... (veja lá embaixo - use a tecla end como atalho).

Os temas, artigos, capítulos de livros, etc. das reuniões serão escolhidos pelos interessados em apresentar, mas pretendemos abordar os assuntos em blocos (p.ex., paleoecologia, biogeografia histórica).

O blog é útil para organizar as atividades do grupo e agregar as discussões, permitindo a contribuição de pessoas que não puderam participar da reunião.

Participaram da reunião (22/10/09): Camila Ribas, Bruno Luize, Igor Kaefer, Carlos D'Apolito Jr, Ricardo Braga-Neto (Saci), Flávia Pezzini, Renata Frederico, José Wagner "Xuleta" e Pedro Ivo Simões.