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segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Modelagem da distribuição de espécies e o nicho ecológico

Um dos propósitos mais elementares da biogeografia é estudar a distribuição das espécies. A percepção de que a distribuição geográfica dos organismos é determinada pela ocorrência de condições ambientais adequadas é antiga. Contudo, recentemente o aumento no interesse sobre a modelagem da distribuição de espécies foi motivado pela disponibilização de uma grande quantidade de dados ambientais e da ocorrência das espécies, facilitando a produção de mapas com base na extrapolação das relações entre as variáveis ambientais e a presença da espécie em pontos no espaço. As possibilidades de utilização de modelagem para prever a distribuição geográfica das espécies em estudos acadêmicos e aplicados são incontáveis, mas é necessário entender o que está sendo modelado, pois as implicações práticas de se superestimar a área de distribuição de uma espécie ameaçada podem ser desastrosas. Obviamente, o nicho ecológico das espécies está relacionado com suas distribuições, mas existe uma vaga distância entre os conceitos de nicho e o que está sendo praticado. Portanto, antes de proseguir, vale a pena dar uma conferida na construção da idéia de nicho.

A idéia de nicho
O termo nicho está intimamente associado às necessidades ecológicas de uma espécie, mas ele abrange interpretações distintas que variam na ênfase dada ao ambiente, às interações biológicas e à escala espacial. A contribuição de George Evelyn Hutchinson (1903-1991) para o desenvolvimento do conceito de nicho está na definição do nicho fundamental como sendo um hipervolume de n-dimensões no qual cada ponto corresponde a uma condição do ambiente que permite que a espécie exista indefinidamente (Hutchinson 1957). O nicho fundamental é determinante das propriedades ecológicas de uma espécie, mas nesse trabalho ele não fez distinção entre variáveis ambientais e fatores bióticos. Mesmo assim, reconhecendo a influência da competição entre as espécies, Hutchinson definiu o nicho realizado como sendo um subconjunto reduzido do nicho fundamental, em que são subtraídas as situações em que outras espécies se sobressaem na competição por recursos. Embora Hutchinson tenha fornecido uma definição operacional de nicho fundamental, é necessário fazer uma distinção conceitual entre o nicho de Grinnell (ênfase em variáveis ambientais em larga escala) e o nicho de Elton (ênfase em fatores bióticos em escala local), como discutido por Jorge Soberón nesse artigo de 2007.

Joseph Grinnell (1877-1939) cunhou o termo nicho em 1917. Ele buscava compreender porque a distribuição de Toxostoma redivivum (Mimidae), uma espécie de passarinho com pouca aptidão para o vôo e uma dieta omnívora, estava restrita a ambientes de chaparral na Califórnia e no norte do México. Ele fez observações sobre a ocorrência de indivíduos e as características ambientais do habitat (i.e., temperatura, altitude, pluviosidade e cobertura vegetal) em diversos pontos cobrindo a distribuição da espécie; elementos comuns desses pontos revelariam quais as condições ambientais apropriadas para sua ocorrência (a base da idéia de nicho fundamental de Hutchinson). Assim, Grinnell indicou uma forte relação entre o nicho e a distribuição das espécies, enfatizando o papel dos fatores ambientais (principalmente temperatura e cobertura vegetal) sobre a distribuição geográfica de T. redivivum.

Por outro lado, Charles Elton (1900-1991) enfatizou o papel das relações tróficas entre as espécies em seu conceito de nicho ecológico no livro Animal Ecology (1927). Para ele, o nicho é um termo útil para descrever a função de uma espécie em uma comunidade biológica, descrita em sua interação com recursos alimentares e inimigos (predadores, parasitas, etc.). Dessa forma, é importante considerar a distinção entre nicho como função (Elton) de nicho como habitat (Grinnell), este muito útil para estimar a área de distribuição das espécies com base em características ambientais.

Em 2000, H. Ronald Pulliam considerou as idéias de Hutchinson e enfatizou a importância da movimentação de indivíduos entre áreas para determinar as relações do nicho com a distribuição geográfica, incorporando a possibilidade de haver dispersão entre sítios ocupados e vazios com base em conceitos de metapopulações e de dinâmica de fonte e dreno. A teoria de metapopulações prevê que, em um dado momento do tempo, apenas um subconjunto dos sítios adequados para a ocorrência de uma espécie estará ocupado. De forma semelhante, é esperado que a espécie esteja presente em sítios não adequados para a manutenção de populações e ausente de sítios ideais. Dessa forma, locais onde a taxa de crescimento é positiva são considerados fontes (enviam indivíduos ou propágulos) e as áreas onde ocorrem mais mortes que nascimentos são consideradas drenos.

O diagrama BAM
A interpretação de nicho fundamental como um conjunto de habitats descrito por n-variáveis ambientais permite estimar sua extensão geográfica e, assim, prever onde ocorrem as condições adequadas para a ocorrência da espécie, através da extrapolação das relações dos pontos de ocorrência de indivíduos com fatores ambientais. Vários algorítmos vem sendo desenvolvidos para modelar essas relações, mas para entender a relação dos modelos com os nichos é essencialmente importante avaliar todas as relações lógicas possíveis entre três principais grupos de fatores: i) condições abióticas (p.ex., altitude, inclinação do terreno, umidade da serrapilheira, ph da água, fertilidade do solo, abertura do dossel, pluviosidade) que implicam em limites fisiológicos para a persistência da espécie; ii) fatores biológicos que influenciam a sobrevivência de populações (podendo ser negativas, no caso de competição, predação e parasitismo, ou positivas, no caso de mutualismos); e iii) capacidade de dispersão, que reflete quais locais são acessíveis para indivíduos de uma espécie (importante para distinguir a distribuição atual da distribuição potencial).

Recentemente, Jorge Soberón e A. Townsend Peterson apresentaram um diagrama para ilustrar a influência desses grupos de fatores e facilitar a discussão dos conceitos. Na figura abaixo, G representa o espaço geográfico, B a região onde as variáveis bióticas que afetam o uso de recursos e as interações biológicas permitem o crescimento das populações (locais em que a espécie pode coexistir ou se sobressair contra competidores), A a região em que os fatores abióticos permitem a existência da espécie (equivalente à expressão geográfica do nicho fundamental) e M representa as regiões que são acessíveis considerando a capacidade de dispersão das espécies. As intersecções entre esses conjuntos de variáveis apresentam diferenças importantes para a interpretação dos modelos espaciais de nicho. Confira os slides abaixo com uma breve descrição das relações entre os fatores e as implicações para a definição dos conceitos de nicho.


O diagrama BAM (Soberón e Peterson 2005) - clique na figura acima, ou aqui, para ver a apresentação.

Teoria e prática
Segundo a teoria, para descrever o nicho de uma espécie é necessário envolver o estudo de populações e não apenas dados sobre a ocorrência da espécie na região. Parâmetros demográficos são essenciais para entender se as condições ambientais e/ou biológicas dos pontos de amostragem favorecem uma taxa de crescimento positiva ou negativa. Por sua vez, isso permite distinguir as áreas fonte (nascimentos>mortes) das áreas dreno (mortes>nascimentos). A partir do conhecimento sobre as respostas demográficas a fatores ambientais então a expressão geográfica do nicho fundamental e do nicho realizado poderão ser determinadas e quantificadas com técnicas de SIG.

Entretanto, é prática comum usar apenas a ocorrência das espécies para modelar o nicho ecológico. Considerando que uma porção variável das ocorrências pode ocorrer fora das condições das áreas fonte, é provável que exista um ruído na modelagem do nicho. Embora a qualidade dos modelos dependa de quão bem os pontos de ocorrência cobrem o nicho abiótico, a chance de incluir uma variação maior nos fatores ambientais acarreta em superestimativas da distribuição potencial das espécies, causando uma cascata de incertezas. Quanto maior for a capacidade de dispersão, maior a quantidade de indivíduos fora de habitats adequados para a manutenção de populações viáveis, mas também é esperado que o nicho fundamental esteja ocupado em grande parte.

Como interpretar então os modelos? Os mapas gerados indicam a distribuição atual, o nicho realizado ou o nicho fundamental? Ou não descrevem bem nenhum desses?

Raramente a quantidade de dados sobre a ocorrência é suficiente para determinar a distribuição atual das espécies, mas quando isso ocorre permite diferenciar a extensão da área de distribuição em potencial da distribuição atual (figura ao lado, obtida de Munguia et al. 2008). Na Amazônia, a quantidade de informações para a maioria das espécies é insuficiente para permitir uma estimativa acurada da distribuição atual, então é recomendado interpretar com cautela os modelos gerados e planejar a amostragem de dados de forma a cobrir a maior parte da distribuição.


Referências
Grinnell (1917). The niche-relationships of the California Thrasher. The Auk 34: 427-433.
Elton (1927). Animal Ecology.
Hutchinson (1957). Concluding remarks. Cold Spring Harbor Symposia on Quantitative Biology 22:415-442.
Pulliam (2000). On the relationship between niche and distribution. Ecology Letters 3:349-361.
Soberón e Peterson (2005). Interpretation of models of fundamental ecological niches and species distributional areas. Biodiversity informatics 2:1-10.
Soberón (2007). Grinnellian and Eltonian niches and geographic distributions of species. Ecology Letters 10:1115-1123.

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P.S.: Na minha interpretação, o conceito de nicho realizado de Soberón e Peterson (2005) não é o mesmo de Hutchinson (1957). Usando a notação do diagrama BAM (veja acima), para Hutchinson o nicho realizado é A - B*, ou seja, a competição diminiu a capacidade de ocupar o nicho fundamental (uma interação negativa entre as espécies), enquanto para Soberón e Peterson o nicho realizado é a interseção de A e B, ou seja, onde existem condições ambientais e biológicas favoráveis, representando interações biológicas positivas. Creio que esse assunto merece maior atenção. Além disso, embora existam diferenças na escala de ação de fatores ambientais e biológicos (ver Soberón 2007), para os autores a combinação desses fatores é a única condição que permite o crescimento das populações, implicando que apenas as condições ambientais do nicho fundamental não seriam suficientes para manter a espécie. Isso contradiz a idéia de nicho fundamental com base apenas em variáveis ambientais?

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Biogeografia integrativa: resolvendo nós e ampliando laços

A biogeografia é um ramo da ciência essencialmente multidisciplinar que está em plena revolução metodológica em grande parte causada pela influência das ferramentas moleculares. As técnicas empregadas vem reduzindo o abismo entre estudos microevolutivos (tamanho/estrutura populacional, expansão/contração de distribuição geográfica, taxas de migração, dispersão em longa distância, etc.) e macroevolutivos (especiação, extinção, composição de biotas), podendo revelar espécies crípticas em casos em que não existe variação morfológica evidente. Uma contribuição peculiar que as filogenias moleculares exercem é a possibilidade de incorporar o tempo nas análises espaciais, permitindo a datação de eventos cladogenéticos e o teste de hipóteses sobre eventos paleoclimáticos e geológicos.

Caminhos paralelos
Basicamente, a biogeografia estuda a distribuição geográfica dos seres vivos, mas abriga vertentes distintas, como a biogeografia histórica e a biogeografia ecológica (Crisci 2001). Para ambas, a diversidade biológica é resultado da história da vida no planeta expressa através de mudanças de forma no espaço e no tempo. Porém, a biogeografia ecológica tem estudado processos ecológicos determinantes dos padrões de distribuição dos táxons geralmente em períodos curtos no tempo, enquanto a biogeografia histórica os processos que atuam em longos períodos (p.ex. milhões de anos). Aparentemente, a divisão entre essas tradições é uma limitação de ordem prática, pois a distribuição dos táxons não é resultado de processos ecológicos ou históricos agindo isoladamente, havendo uma necessidade de integrar essas linhas de pesquisa. Mesmo dentro da biogeografia histórica, existe uma diversidade de métodos e explicações que geram discussões acaloradas.

Um assunto polêmico com potencial de conciliação envolve a polarização entre vicariância e dispersão. Ambos os processos podem explicar a diversificação de populações. Para o modelo vicariante, duas populações se diferenciam após a separação de uma população ancestral pelo surgimento de uma barreira geográfica. Já o modelo de dispersão assume que a população ancestral foi capaz de dispersar além de uma barreira em algum momento no tempo, mas posteriormente foi isolada e acabou se diferenciando em duas linhagens distintas, como ilustrado na figura ao lado (extraída de Crisci 2001). Essas explicações não são mutuamente exclusivas, pois pode haver dispersão após um evento vicariante (Pennington e Dick 2004). De novo, as técnicas moleculares empregadas em biogeografia tem a capacidade integrar e quantificar esses padrões, o que permite o teste de hipóteses sobre a diversificação da biota na Amazônia de forma robusta.

O papel da filogeografia
A contribuição da filogeografia para o desenvolvimento da biogeografia histórica é imensa. A filogeografia vem sendo desenvolvida para estudar processos que determinam a distribuição geográfica de linhagens evolutivas em nível intra-específico ou, mais raramente, de espécies filogeneticamente próximas. Os métodos são dependentes do uso de dados moleculares e tem um viés quantitativo, herdado da genética de populações. Entretanto, embora haja muito em comum em suas premissas e objetivos, o desenvolvimento da filogeografia ocorreu de maneira relativamente independente do restante da biogeografia histórica. Segundo Riddle e Hafner (2006), a falta de integração entre filogeografia e biogeografia histórica pode ser vista pela incongruência entre o uso de termos, conceitos e métodos que são fundamentais para biogeografia histórica. Por exemplo, a falta de integração de métodos é refletida na raridade de estudos de filogeografia que consideram o conceito de área de endemismo, uma unidade fundamental de análise em biogeografia histórica. Em relação ao período de tempo, a maioria dos estudos filogeográficos (barra escura) aborda linhagens em nível intra-específico e por isso está concentrada em tempos recentes, enquanto que os estudos em biogeografia histórica (barra clara) estão mais bem distribuídos no tempo.

Um exemplo da Amazônia: da Silva e Patton 1993
É certo que considerar um ou poucos táxons é insuficiente para reconstruir a história de áreas geográficas. Contudo, o fato que a maioria dos estudos em filogeografia tenha sido feita em nível intra-específico não inviabiliza que estudos envolvendo vários táxons sejam feitos. Desde o início da década de 90, alguns estudos filogeográficos envolvendo populações de várias espécies visaram reconstruir a história biogeográfica de regiões. Como exemplo, achei um estudo que a Lelé desenvolveu com o James Patton na Amazônia (da Silva e Patton 1993). Eles estudaram 9 espécies de roedores arborícolas da família Echymidae pertencentes a 5 gêneros: Mesomys, Isothrix, Makalata, Dactylomis e Echimys. A idéia era testar se as populações das diferentes linhagens apresentavam concordância geográfica em suas diversificações, o que é um forte indício de uma história comum. Eles estudaram 65 indivíduos distribuídos entre 24 localidades (Venezuela, Peru, Brasil e Bolívia), usando sequências do gene citocromo b do DNA mitocondrial para determinar as relações filogenéticas. Os resultados indicam que existem mais de 20 haplótipos de citocromo b e que a distribuição deles tem uma forte estrutura geográfica. Eles indicam uma forte congruência na distribuição dos clados, sugerindo uma história vicariante em comum para esses gêneros. Por fim, eles estimaram em mais de 1 milhão de anos o tempo de divergência entre maiores clados dos gêneros, o que significa que a especiação alopátrica das linhagens que deu origem aos gêneros deve ter ocorrido antes do Pleistoceno.

A evolução da biogeografia
A perspectiva molecular está revolucionando os estudos biogeográficos, permitindo reconstruir a história da diversificação de populações, espécies e biotas com grande robustez. Cada vez mais, a obtenção de dados moleculares em grande volume será mais simples e viável. Por outro lado, ao embutir o tempo como dimensão, é possível também desenvolver modelos preditivos, por exemplo dos efeitos climáticos do aquecimento global sobre as populações e espécies na Amazônia, uma ferramenta importante no planejamento da conservação de espécies ameaçadas nas décadas seguintes. Além de solucionar antigas disparidades, as filogenias moleculares prometem levar a biogeografia a um patamar inovador, integrativo.

Para ler
  • Riddle et al. 2008. The role of molecular genetics in sculpting the future of integrative biogeography. Progress in Physical Geography 32(2):173–202.
  • Crisci 2001. The voice of historical biogeography. Journal of Biogeography 28:157-168.
  • da Silva e Patton 1993. Amazonian phylogeography: mtDNA sequence variation in arboreal echimyid rodents (Caviomorpha). Mol. Phylogenet. Evol. 2:243-255.

Para discutir

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Primeiros passos

Olá pessoal,

No encontro de 22/10 conversamos sobre o formato das atividades iniciais do grupo até o final do ano.

Basicamente, as atividades serão realizadas em reuniões periódicas no INPA e virtualmente através do blog: http://biogeoamazonica.blogspot.com/.

A princípio, as reuniões serão quinzenais, exceto a última devido à proximidade das festas de fim de ano. De acordo com o andamento, pretendemos fazer atividades semanais, sempre às quintas às 17h.

Em cada encontro, poderá ser feita uma apresentação breve (uns 10 min), embora não seja necessário apresentar o tema, pois a idéia é que todos leiam os textos antes e participem.

Além das datas, definimos os candidatos a conduzir as discussões.

05/11 - Saci
19/11 - Pedro Ivo
3/12 - Flávia Pezzini
10/12 - Igor Kaefer

No rodapé do blog coloquei uma agenda com a programação das atividades, tema, apresentador, etc... (veja lá embaixo - use a tecla end como atalho).

Os temas, artigos, capítulos de livros, etc. das reuniões serão escolhidos pelos interessados em apresentar, mas pretendemos abordar os assuntos em blocos (p.ex., paleoecologia, biogeografia histórica).

O blog é útil para organizar as atividades do grupo e agregar as discussões, permitindo a contribuição de pessoas que não puderam participar da reunião.

Participaram da reunião (22/10/09): Camila Ribas, Bruno Luize, Igor Kaefer, Carlos D'Apolito Jr, Ricardo Braga-Neto (Saci), Flávia Pezzini, Renata Frederico, José Wagner "Xuleta" e Pedro Ivo Simões.