sábado, 5 de dezembro de 2009

Serra de Curicuriari (Alto Rio Negro, AM)


A Serra de Curicuriari, também conhecida localmente como 'Serra da Bela Adormecida', está localizada entre os rios Curicuriari e Marié no município de São Gabriel da Cachoeira, na Terra Indígena do Médio Rio Negro. A região faz parte do extremo sudoeste da formação do Escudo das Guianas e apresenta florestas de campina, campinarana e terra firme de terra baixa (50-100m), sub-montana (100-500m), montana (500-1000m), alto-montana (1000-1400m). Várias espécies de criptógamas e fanerógamas são conhecidas apenas nessa região da Serra de Curicuriari no Alto Rio Negro.

Contribuição de Charles Zartman.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Biogeografia histórica, ecologia e riqueza de espécies

Cada vez mais a tendência ao se estudar biogeografia - e na verdade qualquer outra área - é a integração com outros campos de pesquisa. Esse foi o tema discutido na primeira reunião e na segunda vimos um exemplo prático de integração com as ferramentas moleculares: a importância da incorporação de informação temporal nos cladogramas.

Um outro componente que tem sido ignorado na biogeografia histórica é a ecologia. Wiens e Donoghue (2004) abordam esse assunto em seu artigo. A biogeografia histórica pode contribuir para a ecologia principalmente em dois pontos: (i) no estudo de padrões de riqueza de espécies em larga escala, já que dispersão e/ou especiação in situ são os principais processos responsáveis pelos padrões regionais de riqueza; e (ii) no estudo de ecologia de comunidades, já que a composição local de espécies depende da composição regional que por sua vez depende de processos biogeográficos em larga escala.

Mas o que determina a distribuição de organismos em larga escala? As características ecológicas das espécies influenciam sua distribuição em escala local. Se levarmos em conta que o padrão de distribuição em larga escala é resultado da interação de processos ocorrendo em escalas menores, então as características ecológicas das espécies tem sim influência em padrões globais. Mas então, quais seriam esses processos? Um dos mais importantes é a dispersão. Mais especificamente, duas questões devem ser levadas em consideração: o processo de conservação filogenética de nicho (phylogenetic niche conservatism), que determina as características ambientais que os membros de um clado toleram, para quais regiões eles são capazes de se dispersar e quais são as barreiras encontradas para essa dispersão. Outra questão é a evolução de nicho (niche evolution) que permite que uma espécie se adapte em uma nova região climática ou condição biológica. Além disso, extinção e emigração também devem ser abordados.

Um bom exemplo para se entender a importância da integração entre ecologia e biogeografia história é o estudo do gradiente latitudinal de riqueza de espécies. Na figura ao lado, cada ponto representa uma espécie. No cenário (a) vemos uma abordagem puramente ecológica, com correlações entre riqueza de espécies em escala local e regional e as características ambientais que influenciam o padrão observado, sem levar em consideração dispersão, especiação e extinção. É uma tentativa de se responder o porquê do padrão de riqueza somente com informações sobre quantas espécies estão presentes no tempo atual. No cenário (b), as informações históricas são incorporadas, permitindo uma análise mais robusta do porquê da distribuição atual das espécies. Com a integração da biogeografia histórica, é fácil perceber que a maioria dos clados teve origem nos trópicos, ou seja, mais tempo para se especiar nas regiões tropicais. Mais área nos trópicos, há cerca de 30-40 milhões de anos atrás, pode ter favorecido a especiação. Além disso, a conservação de nicho pode ter contribuído para poucas espécies terem sido capazes de desenvolver adaptações para regiões temperadas.

Em teoria, tudo funcionando muito bem. Mas, e na prática? Como incorporar as características ecológicas nos modelos de biogeografia? Nosso conhecimento é limitado no que diz respeito a quais espécies ocorrem em um determinado local, quem dirá sobre a ecologia dessas espécies. A solução seria então restringir a amplitude da quantidade de espécies estudadas, focando grupos menores em uma escala espacial mais ampla? Ou então partir para o campo para tentar cobrir as lacunas? Quem sabe os dois juntos, de maneira integrada?

Características ecológicas e a diversificação de plantas nos trópicos
Um artigo publicado recentemente por Pennington et al. (2009) mostra a aplicação de características ecológicas na explicação da história evolutiva e biogeografia de árvores de Florestas Tropicais Sazonalmente Secas (Seasonally Dry Tropical Forests - SDTF). Esses ambientes ocorrem em regiões com pluviosidade anual média menor do que 1.800 mm e com um período seco de 5 a 6 meses, com pluviosidade menor do que 100 mm. Há uma grande variedade de fisionomias de acordo com a variação da pluviosidade, entretanto a vegetação é predominantemente decídua durante a estação seca, possui raras gramíneas e espécies com ausência de adaptações ao fogo, diferentemente de áreas de savana que a circundam.

Mesmo local em área de SDTF no norte de Minas Gerais (Parque Estadual da Mata Seca) durante a estação chuvosa e a estação seca.

Estão distribuídos em manchas disjuntas pelos neotrópicos e os autores acreditam que essa distribuição fragmentada persiste há tempo suficiente para influenciar a diversificação de sua vegetação. É um ambiente com alta diversidade beta, com grande variação taxonômica de acordo com a distância entre as manchas de ocorrência, tanto para famílias quanto para espécies. Além disso, Gentry (1995) propôs a hipótese do "gradiente latitudinal reverso" para SDTF, já que, ao contrário de florestas úmidas, áreas com maior riqueza estariam distantes do equador.

Levando em conta essas particularidades das SDTF aliado à estudos filogenéticos, alguns aspectos surgiram para explicar a história evolutiva desses ambientes:

1. Muitos dos clados estão confinados ou concentrados em SDTF, evidenciando a hipótese da conservação filogenética de nicho. Isso indica que a probabilidade de espécies de mata seca se dispersarem para outra mancha distante é maior do que a probabilidade de uma espécie de um bioma adjacente desenvolver adaptações necessárias para ocupar uma área de SDTF.

2. Espécies endêmicas confinadas à uma certa área de SDTF são monofiléticas e relativamente antigas, frequentemente datadas de antes do Pleistoceno, sugerindo que espécies adaptadas à essas condições de seca tendem a permanecer confinadas à esses ambientes através do tempo evolutivo, ou seja, uma limitação de dispersão que resulta em populações pequenas.

3. Espécies irmãs geralmente ocupam o mesmo núcleo de SDTF, indicando alto grau de estrutura geográfica filogenética e alta limitação de dispersão ao longo da história entre núcleos de SDTF. Explicações para esse fato podem ser buscadas na teoria de biogeografia de ilhas, como a grande distância entre as áreas ou pequeno tamanho de áreas.

Levando em conta essas características, Pennington et al. (2009) se referem aos núcleos de SDTF como uma metacomunidade global e hipotetizam que a estabilidade do bioma e a limitação de dispersão de propágulos explicam o padrão de distribuição de espécies, a estrutura genética da população e a estrutura geográfica filogenética de espécies vegetais de SDTF. Além disso, a hipótese da conservação do nicho explica a nítida separação da evolução desse bioma em relação aos demais biomas neotropicias. Espécies com um ancestral não adaptado às condições de seca teria pouca chance de se inserir nas matas secas. Dessa forma, esse é um exemplo como características ecológicas podem sim influenciar a diversificação de plantas nos trópicos.


Referências:

Gentry (1995). Diversity and floristic composition of neotropical dry forests. In: Bullock SH, Mooney HA, Medina E, eds. Seasonally Dry Tropical Forests. Cambridge: Cambridge Univ.Press. pp. 146–94

Pennington, Lavin e Oliveira-Filho (2009). Woody plant diversity, evolution and ecology in the tropics: perspectives from seasonally dry tropical forests. Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics 40:437-457.

Wiens e Donoghue (2004). Historical biogeography, ecology and species richness. TREE 19:639-644.