quarta-feira, 9 de dezembro de 2009
Fragmentação de distribuições no Pleistoceno
Reunião 10/12 - Bonaccorso et al. 2006
Segue a referência para o artigo da reunião de 10/12:
Bonaccorso, Koch e Peterson (2006). Pleistocene fragmentation of Amazon species ranges. Diversity and Distributions 12:157-164.
Ele será apresentado pela Marina Anciães.
sábado, 5 de dezembro de 2009
Serra de Curicuriari (Alto Rio Negro, AM)
A Serra de Curicuriari, também conhecida localmente como 'Serra da Bela Adormecida', está localizada entre os rios Curicuriari e Marié no município de São Gabriel da Cachoeira, na Terra Indígena do Médio Rio Negro. A região faz parte do extremo sudoeste da formação do Escudo das Guianas e apresenta florestas de campina, campinarana e terra firme de terra baixa (50-100m), sub-montana (100-500m), montana (500-1000m), alto-montana (1000-1400m). Várias espécies de criptógamas e fanerógamas são conhecidas apenas nessa região da Serra de Curicuriari no Alto Rio Negro.
Contribuição de Charles Zartman.
Contribuição de Charles Zartman.
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Biogeografia histórica, ecologia e riqueza de espécies
Cada vez mais a tendência ao se estudar biogeografia - e na verdade qualquer outra área - é a integração com outros campos de pesquisa. Esse foi o tema discutido na primeira reunião e na segunda vimos um exemplo prático de integração com as ferramentas moleculares: a importância da incorporação de informação temporal nos cladogramas.
Um outro componente que tem sido ignorado na biogeografia histórica é a ecologia. Wiens e Donoghue (2004) abordam esse assunto em seu artigo. A biogeografia histórica pode contribuir para a ecologia principalmente em dois pontos: (i) no estudo de padrões de riqueza de espécies em larga escala, já que dispersão e/ou especiação in situ são os principais processos responsáveis pelos padrões regionais de riqueza; e (ii) no estudo de ecologia de comunidades, já que a composição local de espécies depende da composição regional que por sua vez depende de processos biogeográficos em larga escala.
Mas o que determina a distribuição de organismos em larga escala? As características ecológicas das espécies influenciam sua distribuição em escala local. Se levarmos em conta que o padrão de distribuição em larga escala é resultado da interação de processos ocorrendo em escalas menores, então as características ecológicas das espécies tem sim influência em padrões globais. Mas então, quais seriam esses processos? Um dos mais importantes é a dispersão. Mais especificamente, duas questões devem ser levadas em consideração: o processo de conservação filogenética de nicho (phylogenetic niche conservatism), que determina as características ambientais que os membros de um clado toleram, para quais regiões eles são capazes de se dispersar e quais são as barreiras encontradas para essa dispersão. Outra questão é a evolução de nicho (niche evolution) que permite que uma espécie se adapte em uma nova região climática ou condição biológica. Além disso, extinção e emigração também devem ser abordados.
Um bom exemplo para se entender a importância da integração entre ecologia e biogeografia história é o estudo do gradiente latitudinal de riqueza de espécies. Na figura ao lado, cada ponto representa uma espécie. No cenário (a) vemos uma abordagem puramente ecológica, com correlações entre riqueza de espécies em escala local e regional e as características ambientais que influenciam o padrão observado, sem levar em consideração dispersão, especiação e extinção. É uma tentativa de se responder o porquê do padrão de riqueza somente com informações sobre quantas espécies estão presentes no tempo atual. No cenário (b), as informações históricas são incorporadas, permitindo uma análise mais robusta do porquê da distribuição atual das espécies. Com a integração da biogeografia histórica, é fácil perceber que a maioria dos clados teve origem nos trópicos, ou seja, mais tempo para se especiar nas regiões tropicais. Mais área nos trópicos, há cerca de 30-40 milhões de anos atrás, pode ter favorecido a especiação. Além disso, a conservação de nicho pode ter contribuído para poucas espécies terem sido capazes de desenvolver adaptações para regiões temperadas.
Em teoria, tudo funcionando muito bem. Mas, e na prática? Como incorporar as características ecológicas nos modelos de biogeografia? Nosso conhecimento é limitado no que diz respeito a quais espécies ocorrem em um determinado local, quem dirá sobre a ecologia dessas espécies. A solução seria então restringir a amplitude da quantidade de espécies estudadas, focando grupos menores em uma escala espacial mais ampla? Ou então partir para o campo para tentar cobrir as lacunas? Quem sabe os dois juntos, de maneira integrada?
Características ecológicas e a diversificação de plantas nos trópicos
Um artigo publicado recentemente por Pennington et al. (2009) mostra a aplicação de características ecológicas na explicação da história evolutiva e biogeografia de árvores de Florestas Tropicais Sazonalmente Secas (Seasonally Dry Tropical Forests - SDTF). Esses ambientes ocorrem em regiões com pluviosidade anual média menor do que 1.800 mm e com um período seco de 5 a 6 meses, com pluviosidade menor do que 100 mm. Há uma grande variedade de fisionomias de acordo com a variação da pluviosidade, entretanto a vegetação é predominantemente decídua durante a estação seca, possui raras gramíneas e espécies com ausência de adaptações ao fogo, diferentemente de áreas de savana que a circundam.
Estão distribuídos em manchas disjuntas pelos neotrópicos e os autores acreditam que essa distribuição fragmentada persiste há tempo suficiente para influenciar a diversificação de sua vegetação. É um ambiente com alta diversidade beta, com grande variação taxonômica de acordo com a distância entre as manchas de ocorrência, tanto para famílias quanto para espécies. Além disso, Gentry (1995) propôs a hipótese do "gradiente latitudinal reverso" para SDTF, já que, ao contrário de florestas úmidas, áreas com maior riqueza estariam distantes do equador.
Levando em conta essas particularidades das SDTF aliado à estudos filogenéticos, alguns aspectos surgiram para explicar a história evolutiva desses ambientes:
1. Muitos dos clados estão confinados ou concentrados em SDTF, evidenciando a hipótese da conservação filogenética de nicho. Isso indica que a probabilidade de espécies de mata seca se dispersarem para outra mancha distante é maior do que a probabilidade de uma espécie de um bioma adjacente desenvolver adaptações necessárias para ocupar uma área de SDTF.
2. Espécies endêmicas confinadas à uma certa área de SDTF são monofiléticas e relativamente antigas, frequentemente datadas de antes do Pleistoceno, sugerindo que espécies adaptadas à essas condições de seca tendem a permanecer confinadas à esses ambientes através do tempo evolutivo, ou seja, uma limitação de dispersão que resulta em populações pequenas.
3. Espécies irmãs geralmente ocupam o mesmo núcleo de SDTF, indicando alto grau de estrutura geográfica filogenética e alta limitação de dispersão ao longo da história entre núcleos de SDTF. Explicações para esse fato podem ser buscadas na teoria de biogeografia de ilhas, como a grande distância entre as áreas ou pequeno tamanho de áreas.
Levando em conta essas características, Pennington et al. (2009) se referem aos núcleos de SDTF como uma metacomunidade global e hipotetizam que a estabilidade do bioma e a limitação de dispersão de propágulos explicam o padrão de distribuição de espécies, a estrutura genética da população e a estrutura geográfica filogenética de espécies vegetais de SDTF. Além disso, a hipótese da conservação do nicho explica a nítida separação da evolução desse bioma em relação aos demais biomas neotropicias. Espécies com um ancestral não adaptado às condições de seca teria pouca chance de se inserir nas matas secas. Dessa forma, esse é um exemplo como características ecológicas podem sim influenciar a diversificação de plantas nos trópicos.
Um outro componente que tem sido ignorado na biogeografia histórica é a ecologia. Wiens e Donoghue (2004) abordam esse assunto em seu artigo. A biogeografia histórica pode contribuir para a ecologia principalmente em dois pontos: (i) no estudo de padrões de riqueza de espécies em larga escala, já que dispersão e/ou especiação in situ são os principais processos responsáveis pelos padrões regionais de riqueza; e (ii) no estudo de ecologia de comunidades, já que a composição local de espécies depende da composição regional que por sua vez depende de processos biogeográficos em larga escala.
Mas o que determina a distribuição de organismos em larga escala? As características ecológicas das espécies influenciam sua distribuição em escala local. Se levarmos em conta que o padrão de distribuição em larga escala é resultado da interação de processos ocorrendo em escalas menores, então as características ecológicas das espécies tem sim influência em padrões globais. Mas então, quais seriam esses processos? Um dos mais importantes é a dispersão. Mais especificamente, duas questões devem ser levadas em consideração: o processo de conservação filogenética de nicho (phylogenetic niche conservatism), que determina as características ambientais que os membros de um clado toleram, para quais regiões eles são capazes de se dispersar e quais são as barreiras encontradas para essa dispersão. Outra questão é a evolução de nicho (niche evolution) que permite que uma espécie se adapte em uma nova região climática ou condição biológica. Além disso, extinção e emigração também devem ser abordados.
Um bom exemplo para se entender a importância da integração entre ecologia e biogeografia história é o estudo do gradiente latitudinal de riqueza de espécies. Na figura ao lado, cada ponto representa uma espécie. No cenário (a) vemos uma abordagem puramente ecológica, com correlações entre riqueza de espécies em escala local e regional e as características ambientais que influenciam o padrão observado, sem levar em consideração dispersão, especiação e extinção. É uma tentativa de se responder o porquê do padrão de riqueza somente com informações sobre quantas espécies estão presentes no tempo atual. No cenário (b), as informações históricas são incorporadas, permitindo uma análise mais robusta do porquê da distribuição atual das espécies. Com a integração da biogeografia histórica, é fácil perceber que a maioria dos clados teve origem nos trópicos, ou seja, mais tempo para se especiar nas regiões tropicais. Mais área nos trópicos, há cerca de 30-40 milhões de anos atrás, pode ter favorecido a especiação. Além disso, a conservação de nicho pode ter contribuído para poucas espécies terem sido capazes de desenvolver adaptações para regiões temperadas.
Em teoria, tudo funcionando muito bem. Mas, e na prática? Como incorporar as características ecológicas nos modelos de biogeografia? Nosso conhecimento é limitado no que diz respeito a quais espécies ocorrem em um determinado local, quem dirá sobre a ecologia dessas espécies. A solução seria então restringir a amplitude da quantidade de espécies estudadas, focando grupos menores em uma escala espacial mais ampla? Ou então partir para o campo para tentar cobrir as lacunas? Quem sabe os dois juntos, de maneira integrada?
Características ecológicas e a diversificação de plantas nos trópicos
Um artigo publicado recentemente por Pennington et al. (2009) mostra a aplicação de características ecológicas na explicação da história evolutiva e biogeografia de árvores de Florestas Tropicais Sazonalmente Secas (Seasonally Dry Tropical Forests - SDTF). Esses ambientes ocorrem em regiões com pluviosidade anual média menor do que 1.800 mm e com um período seco de 5 a 6 meses, com pluviosidade menor do que 100 mm. Há uma grande variedade de fisionomias de acordo com a variação da pluviosidade, entretanto a vegetação é predominantemente decídua durante a estação seca, possui raras gramíneas e espécies com ausência de adaptações ao fogo, diferentemente de áreas de savana que a circundam.
Mesmo local em área de SDTF no norte de Minas Gerais (Parque Estadual da Mata Seca) durante a estação chuvosa e a estação seca.
Estão distribuídos em manchas disjuntas pelos neotrópicos e os autores acreditam que essa distribuição fragmentada persiste há tempo suficiente para influenciar a diversificação de sua vegetação. É um ambiente com alta diversidade beta, com grande variação taxonômica de acordo com a distância entre as manchas de ocorrência, tanto para famílias quanto para espécies. Além disso, Gentry (1995) propôs a hipótese do "gradiente latitudinal reverso" para SDTF, já que, ao contrário de florestas úmidas, áreas com maior riqueza estariam distantes do equador.
Levando em conta essas particularidades das SDTF aliado à estudos filogenéticos, alguns aspectos surgiram para explicar a história evolutiva desses ambientes:
1. Muitos dos clados estão confinados ou concentrados em SDTF, evidenciando a hipótese da conservação filogenética de nicho. Isso indica que a probabilidade de espécies de mata seca se dispersarem para outra mancha distante é maior do que a probabilidade de uma espécie de um bioma adjacente desenvolver adaptações necessárias para ocupar uma área de SDTF.
2. Espécies endêmicas confinadas à uma certa área de SDTF são monofiléticas e relativamente antigas, frequentemente datadas de antes do Pleistoceno, sugerindo que espécies adaptadas à essas condições de seca tendem a permanecer confinadas à esses ambientes através do tempo evolutivo, ou seja, uma limitação de dispersão que resulta em populações pequenas.
3. Espécies irmãs geralmente ocupam o mesmo núcleo de SDTF, indicando alto grau de estrutura geográfica filogenética e alta limitação de dispersão ao longo da história entre núcleos de SDTF. Explicações para esse fato podem ser buscadas na teoria de biogeografia de ilhas, como a grande distância entre as áreas ou pequeno tamanho de áreas.
Levando em conta essas características, Pennington et al. (2009) se referem aos núcleos de SDTF como uma metacomunidade global e hipotetizam que a estabilidade do bioma e a limitação de dispersão de propágulos explicam o padrão de distribuição de espécies, a estrutura genética da população e a estrutura geográfica filogenética de espécies vegetais de SDTF. Além disso, a hipótese da conservação do nicho explica a nítida separação da evolução desse bioma em relação aos demais biomas neotropicias. Espécies com um ancestral não adaptado às condições de seca teria pouca chance de se inserir nas matas secas. Dessa forma, esse é um exemplo como características ecológicas podem sim influenciar a diversificação de plantas nos trópicos.
Referências:
Gentry (1995). Diversity and floristic composition of neotropical dry forests. In: Bullock SH, Mooney HA, Medina E, eds. Seasonally Dry Tropical Forests. Cambridge: Cambridge Univ.Press. pp. 146–94
Pennington, Lavin e Oliveira-Filho (2009). Woody plant diversity, evolution and ecology in the tropics: perspectives from seasonally dry tropical forests. Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics 40:437-457.
Wiens e Donoghue (2004). Historical biogeography, ecology and species richness. TREE 19:639-644.
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
Modelagem da distribuição de espécies e o nicho ecológico
Um dos propósitos mais elementares da biogeografia é estudar a distribuição das espécies. A percepção de que a distribuição geográfica dos organismos é determinada pela ocorrência de condições ambientais adequadas é antiga. Contudo, recentemente o aumento no interesse sobre a modelagem da distribuição de espécies foi motivado pela disponibilização de uma grande quantidade de dados ambientais e da ocorrência das espécies, facilitando a produção de mapas com base na extrapolação das relações entre as variáveis ambientais e a presença da espécie em pontos no espaço. As possibilidades de utilização de modelagem para prever a distribuição geográfica das espécies em estudos acadêmicos e aplicados são incontáveis, mas é necessário entender o que está sendo modelado, pois as implicações práticas de se superestimar a área de distribuição de uma espécie ameaçada podem ser desastrosas. Obviamente, o nicho ecológico das espécies está relacionado com suas distribuições, mas existe uma vaga distância entre os conceitos de nicho e o que está sendo praticado. Portanto, antes de proseguir, vale a pena dar uma conferida na construção da idéia de nicho.
A idéia de nicho
O termo nicho está intimamente associado às necessidades ecológicas de uma espécie, mas ele abrange interpretações distintas que variam na ênfase dada ao ambiente, às interações biológicas e à escala espacial. A contribuição de George Evelyn Hutchinson (1903-1991) para o desenvolvimento do conceito de nicho está na definição do nicho fundamental como sendo um hipervolume de n-dimensões no qual cada ponto corresponde a uma condição do ambiente que permite que a espécie exista indefinidamente (Hutchinson 1957). O nicho fundamental é determinante das propriedades ecológicas de uma espécie, mas nesse trabalho ele não fez distinção entre variáveis ambientais e fatores bióticos. Mesmo assim, reconhecendo a influência da competição entre as espécies, Hutchinson definiu o nicho realizado como sendo um subconjunto reduzido do nicho fundamental, em que são subtraídas as situações em que outras espécies se sobressaem na competição por recursos. Embora Hutchinson tenha fornecido uma definição operacional de nicho fundamental, é necessário fazer uma distinção conceitual entre o nicho de Grinnell (ênfase em variáveis ambientais em larga escala) e o nicho de Elton (ênfase em fatores bióticos em escala local), como discutido por Jorge Soberón nesse artigo de 2007.
Joseph Grinnell (1877-1939) cunhou o termo nicho em 1917. Ele buscava compreender porque a distribuição de Toxostoma redivivum (Mimidae), uma espécie de passarinho com pouca aptidão para o vôo e uma dieta omnívora, estava restrita a ambientes de chaparral na Califórnia e no norte do México. Ele fez observações sobre a ocorrência de indivíduos e as características ambientais do habitat (i.e., temperatura, altitude, pluviosidade e cobertura vegetal) em diversos pontos cobrindo a distribuição da espécie; elementos comuns desses pontos revelariam quais as condições ambientais apropriadas para sua ocorrência (a base da idéia de nicho fundamental de Hutchinson). Assim, Grinnell indicou uma forte relação entre o nicho e a distribuição das espécies, enfatizando o papel dos fatores ambientais (principalmente temperatura e cobertura vegetal) sobre a distribuição geográfica de T. redivivum.
Por outro lado, Charles Elton (1900-1991) enfatizou o papel das relações tróficas entre as espécies em seu conceito de nicho ecológico no livro Animal Ecology (1927). Para ele, o nicho é um termo útil para descrever a função de uma espécie em uma comunidade biológica, descrita em sua interação com recursos alimentares e inimigos (predadores, parasitas, etc.). Dessa forma, é importante considerar a distinção entre nicho como função (Elton) de nicho como habitat (Grinnell), este muito útil para estimar a área de distribuição das espécies com base em características ambientais.
Joseph Grinnell (1877-1939) cunhou o termo nicho em 1917. Ele buscava compreender porque a distribuição de Toxostoma redivivum (Mimidae), uma espécie de passarinho com pouca aptidão para o vôo e uma dieta omnívora, estava restrita a ambientes de chaparral na Califórnia e no norte do México. Ele fez observações sobre a ocorrência de indivíduos e as características ambientais do habitat (i.e., temperatura, altitude, pluviosidade e cobertura vegetal) em diversos pontos cobrindo a distribuição da espécie; elementos comuns desses pontos revelariam quais as condições ambientais apropriadas para sua ocorrência (a base da idéia de nicho fundamental de Hutchinson). Assim, Grinnell indicou uma forte relação entre o nicho e a distribuição das espécies, enfatizando o papel dos fatores ambientais (principalmente temperatura e cobertura vegetal) sobre a distribuição geográfica de T. redivivum.
Por outro lado, Charles Elton (1900-1991) enfatizou o papel das relações tróficas entre as espécies em seu conceito de nicho ecológico no livro Animal Ecology (1927). Para ele, o nicho é um termo útil para descrever a função de uma espécie em uma comunidade biológica, descrita em sua interação com recursos alimentares e inimigos (predadores, parasitas, etc.). Dessa forma, é importante considerar a distinção entre nicho como função (Elton) de nicho como habitat (Grinnell), este muito útil para estimar a área de distribuição das espécies com base em características ambientais.
Em 2000, H. Ronald Pulliam considerou as idéias de Hutchinson e enfatizou a importância da movimentação de indivíduos entre áreas para determinar as relações do nicho com a distribuição geográfica, incorporando a possibilidade de haver dispersão entre sítios ocupados e vazios com base em conceitos de metapopulações e de dinâmica de fonte e dreno. A teoria de metapopulações prevê que, em um dado momento do tempo, apenas um subconjunto dos sítios adequados para a ocorrência de uma espécie estará ocupado. De forma semelhante, é esperado que a espécie esteja presente em sítios não adequados para a manutenção de populações e ausente de sítios ideais. Dessa forma, locais onde a taxa de crescimento é positiva são considerados fontes (enviam indivíduos ou propágulos) e as áreas onde ocorrem mais mortes que nascimentos são consideradas drenos.
O diagrama BAM
A interpretação de nicho fundamental como um conjunto de habitats descrito por n-variáveis ambientais permite estimar sua extensão geográfica e, assim, prever onde ocorrem as condições adequadas para a ocorrência da espécie, através da extrapolação das relações dos pontos de ocorrência de indivíduos com fatores ambientais. Vários algorítmos vem sendo desenvolvidos para modelar essas relações, mas para entender a relação dos modelos com os nichos é essencialmente importante avaliar todas as relações lógicas possíveis entre três principais grupos de fatores: i) condições abióticas (p.ex., altitude, inclinação do terreno, umidade da serrapilheira, ph da água, fertilidade do solo, abertura do dossel, pluviosidade) que implicam em limites fisiológicos para a persistência da espécie; ii) fatores biológicos que influenciam a sobrevivência de populações (podendo ser negativas, no caso de competição, predação e parasitismo, ou positivas, no caso de mutualismos); e iii) capacidade de dispersão, que reflete quais locais são acessíveis para indivíduos de uma espécie (importante para distinguir a distribuição atual da distribuição potencial).
Recentemente, Jorge Soberón e A. Townsend Peterson apresentaram um diagrama para ilustrar a influência desses grupos de fatores e facilitar a discussão dos conceitos. Na figura abaixo, G representa o espaço geográfico, B a região onde as variáveis bióticas que afetam o uso de recursos e as interações biológicas permitem o crescimento das populações (locais em que a espécie pode coexistir ou se sobressair contra competidores), A a região em que os fatores abióticos permitem a existência da espécie (equivalente à expressão geográfica do nicho fundamental) e M representa as regiões que são acessíveis considerando a capacidade de dispersão das espécies. As intersecções entre esses conjuntos de variáveis apresentam diferenças importantes para a interpretação dos modelos espaciais de nicho. Confira os slides abaixo com uma breve descrição das relações entre os fatores e as implicações para a definição dos conceitos de nicho.
O diagrama BAM (Soberón e Peterson 2005) - clique na figura acima, ou aqui, para ver a apresentação.
Teoria e prática
Segundo a teoria, para descrever o nicho de uma espécie é necessário envolver o estudo de populações e não apenas dados sobre a ocorrência da espécie na região. Parâmetros demográficos são essenciais para entender se as condições ambientais e/ou biológicas dos pontos de amostragem favorecem uma taxa de crescimento positiva ou negativa. Por sua vez, isso permite distinguir as áreas fonte (nascimentos>mortes) das áreas dreno (mortes>nascimentos). A partir do conhecimento sobre as respostas demográficas a fatores ambientais então a expressão geográfica do nicho fundamental e do nicho realizado poderão ser determinadas e quantificadas com técnicas de SIG.
Entretanto, é prática comum usar apenas a ocorrência das espécies para modelar o nicho ecológico. Considerando que uma porção variável das ocorrências pode ocorrer fora das condições das áreas fonte, é provável que exista um ruído na modelagem do nicho. Embora a qualidade dos modelos dependa de quão bem os pontos de ocorrência cobrem o nicho abiótico, a chance de incluir uma variação maior nos fatores ambientais acarreta em superestimativas da distribuição potencial das espécies, causando uma cascata de incertezas. Quanto maior for a capacidade de dispersão, maior a quantidade de indivíduos fora de habitats adequados para a manutenção de populações viáveis, mas também é esperado que o nicho fundamental esteja ocupado em grande parte.
Como interpretar então os modelos? Os mapas gerados indicam a distribuição atual, o nicho realizado ou o nicho fundamental? Ou não descrevem bem nenhum desses?
Raramente a quantidade de dados sobre a ocorrência é suficiente para determinar a distribuição atual das espécies, mas quando isso ocorre permite diferenciar a extensão da área de distribuição em potencial da distribuição atual (figura ao lado, obtida de Munguia et al. 2008). Na Amazônia, a quantidade de informações para a maioria das espécies é insuficiente para permitir uma estimativa acurada da distribuição atual, então é recomendado interpretar com cautela os modelos gerados e planejar a amostragem de dados de forma a cobrir a maior parte da distribuição.
Referências
Grinnell (1917). The niche-relationships of the California Thrasher. The Auk 34: 427-433.
Elton (1927). Animal Ecology.
Hutchinson (1957). Concluding remarks. Cold Spring Harbor Symposia on Quantitative Biology 22:415-442.
Pulliam (2000). On the relationship between niche and distribution. Ecology Letters 3:349-361.
Soberón e Peterson (2005). Interpretation of models of fundamental ecological niches and species distributional areas. Biodiversity informatics 2:1-10.
Soberón (2007). Grinnellian and Eltonian niches and geographic distributions of species. Ecology Letters 10:1115-1123.
P.S.: Na minha interpretação, o conceito de nicho realizado de Soberón e Peterson (2005) não é o mesmo de Hutchinson (1957). Usando a notação do diagrama BAM (veja acima), para Hutchinson o nicho realizado é A - B*, ou seja, a competição diminiu a capacidade de ocupar o nicho fundamental (uma interação negativa entre as espécies), enquanto para Soberón e Peterson o nicho realizado é a interseção de A e B, ou seja, onde existem condições ambientais e biológicas favoráveis, representando interações biológicas positivas. Creio que esse assunto merece maior atenção. Além disso, embora existam diferenças na escala de ação de fatores ambientais e biológicos (ver Soberón 2007), para os autores a combinação desses fatores é a única condição que permite o crescimento das populações, implicando que apenas as condições ambientais do nicho fundamental não seriam suficientes para manter a espécie. Isso contradiz a idéia de nicho fundamental com base apenas em variáveis ambientais?
Recentemente, Jorge Soberón e A. Townsend Peterson apresentaram um diagrama para ilustrar a influência desses grupos de fatores e facilitar a discussão dos conceitos. Na figura abaixo, G representa o espaço geográfico, B a região onde as variáveis bióticas que afetam o uso de recursos e as interações biológicas permitem o crescimento das populações (locais em que a espécie pode coexistir ou se sobressair contra competidores), A a região em que os fatores abióticos permitem a existência da espécie (equivalente à expressão geográfica do nicho fundamental) e M representa as regiões que são acessíveis considerando a capacidade de dispersão das espécies. As intersecções entre esses conjuntos de variáveis apresentam diferenças importantes para a interpretação dos modelos espaciais de nicho. Confira os slides abaixo com uma breve descrição das relações entre os fatores e as implicações para a definição dos conceitos de nicho.
O diagrama BAM (Soberón e Peterson 2005) - clique na figura acima, ou aqui, para ver a apresentação.
Teoria e prática
Segundo a teoria, para descrever o nicho de uma espécie é necessário envolver o estudo de populações e não apenas dados sobre a ocorrência da espécie na região. Parâmetros demográficos são essenciais para entender se as condições ambientais e/ou biológicas dos pontos de amostragem favorecem uma taxa de crescimento positiva ou negativa. Por sua vez, isso permite distinguir as áreas fonte (nascimentos>mortes) das áreas dreno (mortes>nascimentos). A partir do conhecimento sobre as respostas demográficas a fatores ambientais então a expressão geográfica do nicho fundamental e do nicho realizado poderão ser determinadas e quantificadas com técnicas de SIG.
Entretanto, é prática comum usar apenas a ocorrência das espécies para modelar o nicho ecológico. Considerando que uma porção variável das ocorrências pode ocorrer fora das condições das áreas fonte, é provável que exista um ruído na modelagem do nicho. Embora a qualidade dos modelos dependa de quão bem os pontos de ocorrência cobrem o nicho abiótico, a chance de incluir uma variação maior nos fatores ambientais acarreta em superestimativas da distribuição potencial das espécies, causando uma cascata de incertezas. Quanto maior for a capacidade de dispersão, maior a quantidade de indivíduos fora de habitats adequados para a manutenção de populações viáveis, mas também é esperado que o nicho fundamental esteja ocupado em grande parte.
Como interpretar então os modelos? Os mapas gerados indicam a distribuição atual, o nicho realizado ou o nicho fundamental? Ou não descrevem bem nenhum desses?
Raramente a quantidade de dados sobre a ocorrência é suficiente para determinar a distribuição atual das espécies, mas quando isso ocorre permite diferenciar a extensão da área de distribuição em potencial da distribuição atual (figura ao lado, obtida de Munguia et al. 2008). Na Amazônia, a quantidade de informações para a maioria das espécies é insuficiente para permitir uma estimativa acurada da distribuição atual, então é recomendado interpretar com cautela os modelos gerados e planejar a amostragem de dados de forma a cobrir a maior parte da distribuição.
Referências
Grinnell (1917). The niche-relationships of the California Thrasher. The Auk 34: 427-433.
Elton (1927). Animal Ecology.
Hutchinson (1957). Concluding remarks. Cold Spring Harbor Symposia on Quantitative Biology 22:415-442.
Pulliam (2000). On the relationship between niche and distribution. Ecology Letters 3:349-361.
Soberón e Peterson (2005). Interpretation of models of fundamental ecological niches and species distributional areas. Biodiversity informatics 2:1-10.
Soberón (2007). Grinnellian and Eltonian niches and geographic distributions of species. Ecology Letters 10:1115-1123.
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P.S.: Na minha interpretação, o conceito de nicho realizado de Soberón e Peterson (2005) não é o mesmo de Hutchinson (1957). Usando a notação do diagrama BAM (veja acima), para Hutchinson o nicho realizado é A - B*, ou seja, a competição diminiu a capacidade de ocupar o nicho fundamental (uma interação negativa entre as espécies), enquanto para Soberón e Peterson o nicho realizado é a interseção de A e B, ou seja, onde existem condições ambientais e biológicas favoráveis, representando interações biológicas positivas. Creio que esse assunto merece maior atenção. Além disso, embora existam diferenças na escala de ação de fatores ambientais e biológicos (ver Soberón 2007), para os autores a combinação desses fatores é a única condição que permite o crescimento das populações, implicando que apenas as condições ambientais do nicho fundamental não seriam suficientes para manter a espécie. Isso contradiz a idéia de nicho fundamental com base apenas em variáveis ambientais?
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quinta-feira, 26 de novembro de 2009
Reunião 3/12 - FLAVIA PEZZINI - Wiens and Donoghue 2004
Segue a referência para o artigo da reunião de 3/12:
Wiens and Donoghue (2004). Historical biogeography, ecology and species richness. TREE 19:639-644.
Ele será apresentado pela Flávia Pezzini.
Wiens and Donoghue (2004). Historical biogeography, ecology and species richness. TREE 19:639-644.
Ele será apresentado pela Flávia Pezzini.
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
Rios Amazônicos e diversificação
A história da formação da drenagem Amazônica é fundamental para entendermos melhor a origem da diversidade e dos padrões biogeográficos na região. Por isso, é muito interessante acompanhar os debates em curso na literatura "geológica" sobre o assunto. A maioria dos autores concorda que a drenagem Amazônica era direcionada para o oeste (Pacífico) e para o norte no passado e que o soerguimento dos Andes alterou esse cenário a partir do Mioceno, formando inicialmente o Lago Pebas e posteriormente invertendo a drenagem da Bacia para leste. Carina Hoorn foi uma das primeiras a propor uma cronologia pra essa história em seu artigo de 1995, com base em evidências de padrões de sedimentação, palinologia e moluscos fósseis. De acordo com os seus resultados a drenagem para leste teria se estabelecido definitivamente entre 11 e 8 milhões de anos atrás. Nesta revisão de 2006 ela escreve sobre esse estudo, suas implicações e debates. Por outro lado, alguns artigos recentes (Rossetti et al 2005, Campbell et al. 2006) têm questionado esta datação, e propõe que o estabelecimento da drenagem que vemos hoje foi um evento muito mais recente, datando do Quaternário (cerca de 2 milhões de anos atrás). Segundo esses autores, o processo de inversão da drenagem teria sido muito mais lento, e o Lago Pebas teria existido mesmo depois do Mioceno, originando o Lago Amazonas que perdurou até o Quaternário. Isso significa que a bacia sedimentar (regiões mais 'baixas' da Amazônia) teria sido ocupada por um sistema de lagos e rios meandrantes de pouca energia até "pouco" tempo atrás, e que ambientes de Terra Firme teriam se estabelecido nessas regiões apenas durante o Quaternário. Essas diferenças cronólogicas têm grande influência em como pensamos na biogeografia da Amazônia (ver Aleixo e Rossetti 2007).
Esse artigo de 2008 do pesquisador da UFPA, Afonso Nogueira, dá uma visão abrangente sobre o assunto, incluindo novos e interessantes resultados do grupo de pesquisa da UFPA que apóiam a idade mais recente para o estabelecimento da drenagem moderna. Parte desses resultados foi apresentada em um congresso da GSA (Geological Society of America) de 2006, com bastante divulgação. Por outro lado, em um artigo deste ano (Figueiredo et al 2009) outro grupo de autores (incluindo a Carina Hoorn) confirma com novos dados a origem Miocênica da drenagem para leste... Assim, não só a geologia pode nos ajudar a entender a diversificação como também o estudo dos organismos que ocupam a Amazônia hoje pode ajudar a entender melhor a história geológica, em um processo de construção do conhecimento que "anda nas duas direções".
Esse artigo de 2008 do pesquisador da UFPA, Afonso Nogueira, dá uma visão abrangente sobre o assunto, incluindo novos e interessantes resultados do grupo de pesquisa da UFPA que apóiam a idade mais recente para o estabelecimento da drenagem moderna. Parte desses resultados foi apresentada em um congresso da GSA (Geological Society of America) de 2006, com bastante divulgação. Por outro lado, em um artigo deste ano (Figueiredo et al 2009) outro grupo de autores (incluindo a Carina Hoorn) confirma com novos dados a origem Miocênica da drenagem para leste... Assim, não só a geologia pode nos ajudar a entender a diversificação como também o estudo dos organismos que ocupam a Amazônia hoje pode ajudar a entender melhor a história geológica, em um processo de construção do conhecimento que "anda nas duas direções".
sábado, 21 de novembro de 2009
Serra da Mocidade (PARNA Serra da Mocidade, RR)
O Rio Água Boa do Univini com a Serra da Mocidade ao fundo. O Parque Nacional da Serra da Mocidade (RR) abriga um complexo de serras isoladas de outras cadeias do Escudo das Guianas. A altitude das serras varia gradualmente de 100 m até cerca de 1.700 m acima do nível do mar. Nas encostas das serras existem florestas montanas e sub-montanas e nas terras baixas ocorre a predominância de vegetações abertas, campinas e campinaranas, muitas vezes situadas sobre paleodunas relictuais, originadas durante épocas secas. Os habitats serranos do PARNA da Serra da Mocidade tem grande potencial de ter servido de refúgio para muitas populações, mas por ser uma localidade remota de acesso restrito ainda não se tem idéia do grau de endemismo. Com grande certeza essas serras tem uma enorme importância para o patrimônio biológico brasileiro. Resta viabilizarmos meios de chegar até lá.
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
A Palinologia como ferramenta na reconstrução paleoambiental do Quaternário na Amazônia
A alta diversidade vegetal amazônica tem sido motivo de grande especulação científica nas últimas décadas. Que a floresta sofreu modificações ao longo de sua história é fato, o que ainda não está bem resolvido é a dimensão destas modificações. Para uma linha de pensamento a diversidade é fruto de estabilidade, continuidade da cobertura vegetal, ao passo que quem pensa o contrário advoga por um cenário de fragmentação vegetacional.
Por Carlos D’Apolito Júnior
O registro fóssil é um dos meios utilizados para se especular sobre a constituição dos paleoambientes da região amazônica, e o registro paleobotânico é sem dúvida melhor representado por palinomorfos (pólens, esporos de briofitas, pteridofitas, fungos, cistos de algas, etc.), não somente pela qualidade da preservação destes microfósseis, mas também pela quantidade e diversidade morfológica passível de aplicação taxonômica. Uma vez que a vegetação continuamente produz uma marca, pólen e esporos espalhados no ambiente, o que é chamado de "precipitação polínica", basta um sítio onde existam boas condições de sedimentação, como lagos, para que esta marca seja incorporada a sedimentos e desta forma selada a história da vegetação de uma determinada área.
Aliada à presença de remanescentes vegetais em sedimentos está a datação e a natureza estratigráfica destes sedimentos. Para cada escala de tempo existe um diferente método, o mais utilizado e preciso e o método de datação radiocarbônica. Porém, o método do C14 limita-se até cerca de 50 Ky (mil anos) AP (antes do presente), o que resulta em histórias ambientais relativamente curtas. O período Quaternário é reconhecido por suas glaciações rítmicas, e uma vez que se conhece com certo nível de detalhamento a condição paleoambiental durante parte da última glaciação, com ênfase no Ultimo Máximo Glacial (UMG), a interpretação paleoecológica pode ser extrapolada e assim um conjunto de hipóteses biogeográficas surgem.
Não suficientes a riqueza de espécies e suas complexidades taxonômicas na Amazônia, situações ideais para o estudo paleopalinológico não são comuns. Os melhores e muitas vezes únicos sítios para a amostragem de sedimentos quaternários são lagos, especialmente os isolados de grandes cursos d’água. Atualmente os dois principais registros polínicos de sedimentos lacustres estão separados entre si por alguns milhares de quilômetros e, como ressaltado por Colinvaux & de Oliveira (2001), usar estes dois estudos para definir um cenário paleoecológico na Amazônia é como usar dados de Moscou para inferir parâmetros ambientais de Paris, em analogia a escala continental da bacia amazônica (figura ao lado, extraída de Colinvaux & de Oliveira 2001).
As evidências
A sudeste da bacia amazônica uma sondagem de um dos lagos da serra dos Carajás foi estudada por Absy et al. (1991). Nos mais de seis metros retirados do fundo do lago, sedimentos de mais de 50 Ky mostraram que a floresta local foi invadida por vegetação mais secas por quatro vezes, uma delas inclui o UMG, onde há um hiato sedimentar de cerca de 10 Ky. É interessante notar que mesmo no Holoceno existe uma fase mais seca, e a floresta como ela é atualmente parece ter se instalado por volta de 6 Ky AP. A vegetação atual da serra é uma mistura de savana e vegetações mais fechadas, e ocupa a região de corredor seco natural que liga o norte da Amazônia com o Brasil Central. De fato, tanto o registro polínico quanto a estratigrafia não deixam dúvidas sobre a aridez inferida. Entretanto, é de se ressaltar que o fato deste sítio estar em uma área naturalmente mais seca, apenas mostra uma tendência de acentuação desta condição e não a invasão de savanas na Amazônia.
No Morro dos Seis Lagos, município de São Gabriel da Cachoeira (AM), uma sondagem do lago da Pata foi usada para estudo paleopalinológico por Colinvaux et al. (1996). O registro polínico é interpretado como constante, ao contrário de Carajás a concentração de pólen de herbáceas é mínima e nunca supera a de arbóreas. O único período seco está compreendido entre 35 e 23 Ky ou pouco mais, onde os sedimentos apresentam evidência de oxidação e contém palinomorfos em grande concentração, o que mostra baixa taxa de sedimentação, ou seja, mais seca. Contudo, ainda neste período o registro é contínuo. No pleniglacial (entre mais ou menos 70 Ky e 15 Ky), a ocorrência de táxons montanos, como Podocarpus, Hedyosum, Myrsine e Weinmania, levam os autores à conclusão de que houve redução na temperatura, calculada na ordem de 5°C. Já o Holoceno é bem diferenciado pela alta concentração de pólen das palmeiras Mauritia e Mauritiella e da palustre Sagittaria, entre outros elementos típicos de floresta úmida.
Outros registros importantes contribuem para a formulação de um cenário paleoambiental. Os sedimentos da foz do amazonas (sondagem ODP-932) contem uma assemblagem polínica considerada "monótona", sem grandes alterações entre os tipos vegetacionais inferidos através do conteúdo polínico. Neste estudo, novamente existem indicações do aumento da representação de táxons montanos/andinos durante o pleni-tardiglacial e no geral, a floresta parece ter permanecido estável durante os últimos 50 Ky, sem o avanço de vegetações de clima seco. A ODP-932 é uma representação de toda a bacia amazônica, já que os sedimentos depositados no "amazon fan" são oriundos dos rios que nascem desde a cordilheira andina até os mais próximos à foz, e, embora compreenda uma grande escala geográfica, é enviesado pelo simples fato de diferentes fontes de pólen serem analisados juntos. Além de não ser possível a diferenciação entre biomas/habitats diferentes, é provável que a vegetação ripária seja mais bem representada do que a o resto da vegetação por ela cercada, como já apontado por alguns autores, sem contar os problemas inerentes ao retrabalhamento dos sedimentos, causado por erosão das encostas dos rios durante fases de baixo nível d’água. Na reserva Maicuru, a Leste da bacia, um morro similar ao morro dos seis lagos situa-se a 0° de latitude. O maior dos lagos deste morro também foi sondado e o registro é longo, porém descontinuo. A fase seca é evidente pelo hiato sedimentar entre 30 e 15 Ky.
Uma evidência da substituição de floresta por vegetação seca está em Rondônia, na sondagem de Katira. A área fica ao Sul da Amazônia, a 100 Km do ecótono floresta-savana, os sedimentos correspondentes ao UMG são compostos majoritariamente por pólen de gramínea, e outros elementos herbáceos de savana. Aos pés dos Andes, por volta de 1000 metros de altitude, dois sítios estudados (Mera e San Juan Bosco - Equador) revelaram elementos andinos se estendendo a menores altitudes, o que foi interpretado como uma queda na temperatura na ordem de 5°C e constância de um ambiente bastante úmido na base da cordilheira. Da mesma forma, o registro ininterrupto do Lago Consuelo (Peru), mostra forte discrepância entre Pleistoceno e Holoceno, com táxons da floresta Montana melhor representados durante o pleni-tardiglacial.
Construindo um cenário
A interpretação histórica do registro fóssil é mais acurada a nível local, aliás, quanto menor o sistema de captura da chuva polínica (lago, etc), mais local é a representação. Uma pequena poça contém mais polens das plantas que estão diretamente no seu entorno, um lago grande representa bem a vegetação local, e sedimentos de rio trazem pólen de uma bacia hidrológica inteira. Uma vez que temos representações mais seguras a nível local, logo o que se deve fazer para reconstruir um paleoambiente de dimensões continentais como a Amazônia é juntar muitos destes pontos e interpretá-los conjuntamente.
Embora a receita pareça simples, reconstruir um cenário paleoambiental da Amazônia para o quaternário tardio não tem sido tarefa fácil. O que encaramos na planície amazônica é o velho e recorrente problema de amostragem, com a ressalva de que não existem mais pontos amostrais não (apenas) por falta de esforço, mas também porque os locais ideais para a coleta de sedimentos lacustres são escassos. Logo, o que se discute em paleoecologia do UMG da Amazônia é puramente especulativo, e nunca conclusivo.
Desde que os primeiros diagramas polínicos foram publicados alguns autores tem escrito sobre como seria a vegetação durante períodos glaciais. Os primeiros mapas previam refúgios isolados com base em dados de distribuição de alguns conjuntos de táxons, e esse na verdade foi o pontapé inicial, estimulador, para que se pusesse a contra prova a hipótese dos refúgios. Deixando os detalhes de toda essa discussão de lado, o que temos hoje de mais atual é o modelo paleovegetacional proposto na figura ao lado [modificada de Anhuf et al. 2006; Lago Pata (vermelho), Carajás (verde) e ODP-932 (azul)].
Este modelo contabiliza uma perda de floresta (tanto a tropical densa quanto a semi-decidual) de em torno de 54% na bacia amazônica, contra 84% na África, mas os autores são realistas sobre a falta de melhores dados para a Amazônia, e consideram a possibilidade de diferentes interpretações. Assim como modelos anteriores, a maior área de floresta úmida densa é contínua, não fragmentada, e mantendo-se a Oeste, com os mais prováveis avanços de vegetação seca a Leste, Sul e Norte da bacia. Os sítios de Carajás, Maicurú e Katira (RO) são claramente inseridos em áreas de expansão de vegetação seca, nas bordas do que teria sido a floresta densa. O sítio do Lago da Pata está na extremidade de um grande bloco de floresta, e a interpretação segue a original proposta pelos autores como sendo um registro de constante representação de elementos típicos de floresta. Inicialmente, os autores do trabalho no Lago da Pata usavam-no para provar a existência contínua da floresta amazônica durante períodos glaciais, incorrendo em seu próprio erro (analogia Moscou-Paris), enquanto outros o interpretavam como a prova da existência de um refúgio na região, o que é condizente com os mapas primordiais.
A ocorrência de táxons montanos em vários dos registros pode mostrar um resfriamento da bacia durante o pleniglacial, e especialmente para os Andes é tida como a evidência de que os cinturões de vegetação (páramo, bosque andino, etc.) foram rebaixados criando comunidades vegetais floristicamente misturadas, sem análogos atuais, contrariando a idéia prévia de que os cinturões desceram como entidades únicas.
Neste texto, tratei de como os dados palinológicos são usados, porém existem outras fontes de dados valiosas para interpretações paleoambientais, como a atividade de dunas no pleniglacial, a ocorrência de grandes mamíferos em áreas hoje florestadas, entre outros conjuntos de dados geo-paleontológicos.
Nota: O último glacial é dividido em inferior, médio e superior. O médio é o pleniglacial (entre 70 Ky e 15 Ky). De 15 a 11 Ky é o tardiglacial, que engloba um evento chamado de Young Dryas (+-11 Ky), o último suspiro do glacial antes de entrar de vez nas condições úmidas e quentes do Holoceno. O Último Máximo Glacial (UMG) está dentro do pleniglacial.
Para ler
Anhuf et al. (2006). Paleo-Environmental Change in Amazonian and African Rainforest during the LGM. Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology 239, 510–527.
Colinvaux & Oliveira (2001). Amazon Plant diversity and climate through the Cenozoic. Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology 166, 51-63.
Haffer & Prance (2002). Impulsos climáticos da evolução na Amazônia durante o Cenozóico: sobre a teoria dos Refúgios da diferenciação biótica. Estudos avançados 46, 175-206.
Por Carlos D’Apolito Júnior
O registro fóssil é um dos meios utilizados para se especular sobre a constituição dos paleoambientes da região amazônica, e o registro paleobotânico é sem dúvida melhor representado por palinomorfos (pólens, esporos de briofitas, pteridofitas, fungos, cistos de algas, etc.), não somente pela qualidade da preservação destes microfósseis, mas também pela quantidade e diversidade morfológica passível de aplicação taxonômica. Uma vez que a vegetação continuamente produz uma marca, pólen e esporos espalhados no ambiente, o que é chamado de "precipitação polínica", basta um sítio onde existam boas condições de sedimentação, como lagos, para que esta marca seja incorporada a sedimentos e desta forma selada a história da vegetação de uma determinada área.
Aliada à presença de remanescentes vegetais em sedimentos está a datação e a natureza estratigráfica destes sedimentos. Para cada escala de tempo existe um diferente método, o mais utilizado e preciso e o método de datação radiocarbônica. Porém, o método do C14 limita-se até cerca de 50 Ky (mil anos) AP (antes do presente), o que resulta em histórias ambientais relativamente curtas. O período Quaternário é reconhecido por suas glaciações rítmicas, e uma vez que se conhece com certo nível de detalhamento a condição paleoambiental durante parte da última glaciação, com ênfase no Ultimo Máximo Glacial (UMG), a interpretação paleoecológica pode ser extrapolada e assim um conjunto de hipóteses biogeográficas surgem.
Não suficientes a riqueza de espécies e suas complexidades taxonômicas na Amazônia, situações ideais para o estudo paleopalinológico não são comuns. Os melhores e muitas vezes únicos sítios para a amostragem de sedimentos quaternários são lagos, especialmente os isolados de grandes cursos d’água. Atualmente os dois principais registros polínicos de sedimentos lacustres estão separados entre si por alguns milhares de quilômetros e, como ressaltado por Colinvaux & de Oliveira (2001), usar estes dois estudos para definir um cenário paleoecológico na Amazônia é como usar dados de Moscou para inferir parâmetros ambientais de Paris, em analogia a escala continental da bacia amazônica (figura ao lado, extraída de Colinvaux & de Oliveira 2001).
As evidências
A sudeste da bacia amazônica uma sondagem de um dos lagos da serra dos Carajás foi estudada por Absy et al. (1991). Nos mais de seis metros retirados do fundo do lago, sedimentos de mais de 50 Ky mostraram que a floresta local foi invadida por vegetação mais secas por quatro vezes, uma delas inclui o UMG, onde há um hiato sedimentar de cerca de 10 Ky. É interessante notar que mesmo no Holoceno existe uma fase mais seca, e a floresta como ela é atualmente parece ter se instalado por volta de 6 Ky AP. A vegetação atual da serra é uma mistura de savana e vegetações mais fechadas, e ocupa a região de corredor seco natural que liga o norte da Amazônia com o Brasil Central. De fato, tanto o registro polínico quanto a estratigrafia não deixam dúvidas sobre a aridez inferida. Entretanto, é de se ressaltar que o fato deste sítio estar em uma área naturalmente mais seca, apenas mostra uma tendência de acentuação desta condição e não a invasão de savanas na Amazônia.
Diagrama de porcentagem resumido, Carajás (extraído de Absy et al. 1991).
(clique na imagem para ampliar)
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Outros registros importantes contribuem para a formulação de um cenário paleoambiental. Os sedimentos da foz do amazonas (sondagem ODP-932) contem uma assemblagem polínica considerada "monótona", sem grandes alterações entre os tipos vegetacionais inferidos através do conteúdo polínico. Neste estudo, novamente existem indicações do aumento da representação de táxons montanos/andinos durante o pleni-tardiglacial e no geral, a floresta parece ter permanecido estável durante os últimos 50 Ky, sem o avanço de vegetações de clima seco. A ODP-932 é uma representação de toda a bacia amazônica, já que os sedimentos depositados no "amazon fan" são oriundos dos rios que nascem desde a cordilheira andina até os mais próximos à foz, e, embora compreenda uma grande escala geográfica, é enviesado pelo simples fato de diferentes fontes de pólen serem analisados juntos. Além de não ser possível a diferenciação entre biomas/habitats diferentes, é provável que a vegetação ripária seja mais bem representada do que a o resto da vegetação por ela cercada, como já apontado por alguns autores, sem contar os problemas inerentes ao retrabalhamento dos sedimentos, causado por erosão das encostas dos rios durante fases de baixo nível d’água. Na reserva Maicuru, a Leste da bacia, um morro similar ao morro dos seis lagos situa-se a 0° de latitude. O maior dos lagos deste morro também foi sondado e o registro é longo, porém descontinuo. A fase seca é evidente pelo hiato sedimentar entre 30 e 15 Ky.
Uma evidência da substituição de floresta por vegetação seca está em Rondônia, na sondagem de Katira. A área fica ao Sul da Amazônia, a 100 Km do ecótono floresta-savana, os sedimentos correspondentes ao UMG são compostos majoritariamente por pólen de gramínea, e outros elementos herbáceos de savana. Aos pés dos Andes, por volta de 1000 metros de altitude, dois sítios estudados (Mera e San Juan Bosco - Equador) revelaram elementos andinos se estendendo a menores altitudes, o que foi interpretado como uma queda na temperatura na ordem de 5°C e constância de um ambiente bastante úmido na base da cordilheira. Da mesma forma, o registro ininterrupto do Lago Consuelo (Peru), mostra forte discrepância entre Pleistoceno e Holoceno, com táxons da floresta Montana melhor representados durante o pleni-tardiglacial.
Construindo um cenário
A interpretação histórica do registro fóssil é mais acurada a nível local, aliás, quanto menor o sistema de captura da chuva polínica (lago, etc), mais local é a representação. Uma pequena poça contém mais polens das plantas que estão diretamente no seu entorno, um lago grande representa bem a vegetação local, e sedimentos de rio trazem pólen de uma bacia hidrológica inteira. Uma vez que temos representações mais seguras a nível local, logo o que se deve fazer para reconstruir um paleoambiente de dimensões continentais como a Amazônia é juntar muitos destes pontos e interpretá-los conjuntamente.
Embora a receita pareça simples, reconstruir um cenário paleoambiental da Amazônia para o quaternário tardio não tem sido tarefa fácil. O que encaramos na planície amazônica é o velho e recorrente problema de amostragem, com a ressalva de que não existem mais pontos amostrais não (apenas) por falta de esforço, mas também porque os locais ideais para a coleta de sedimentos lacustres são escassos. Logo, o que se discute em paleoecologia do UMG da Amazônia é puramente especulativo, e nunca conclusivo.
Desde que os primeiros diagramas polínicos foram publicados alguns autores tem escrito sobre como seria a vegetação durante períodos glaciais. Os primeiros mapas previam refúgios isolados com base em dados de distribuição de alguns conjuntos de táxons, e esse na verdade foi o pontapé inicial, estimulador, para que se pusesse a contra prova a hipótese dos refúgios. Deixando os detalhes de toda essa discussão de lado, o que temos hoje de mais atual é o modelo paleovegetacional proposto na figura ao lado [modificada de Anhuf et al. 2006; Lago Pata (vermelho), Carajás (verde) e ODP-932 (azul)].
Este modelo contabiliza uma perda de floresta (tanto a tropical densa quanto a semi-decidual) de em torno de 54% na bacia amazônica, contra 84% na África, mas os autores são realistas sobre a falta de melhores dados para a Amazônia, e consideram a possibilidade de diferentes interpretações. Assim como modelos anteriores, a maior área de floresta úmida densa é contínua, não fragmentada, e mantendo-se a Oeste, com os mais prováveis avanços de vegetação seca a Leste, Sul e Norte da bacia. Os sítios de Carajás, Maicurú e Katira (RO) são claramente inseridos em áreas de expansão de vegetação seca, nas bordas do que teria sido a floresta densa. O sítio do Lago da Pata está na extremidade de um grande bloco de floresta, e a interpretação segue a original proposta pelos autores como sendo um registro de constante representação de elementos típicos de floresta. Inicialmente, os autores do trabalho no Lago da Pata usavam-no para provar a existência contínua da floresta amazônica durante períodos glaciais, incorrendo em seu próprio erro (analogia Moscou-Paris), enquanto outros o interpretavam como a prova da existência de um refúgio na região, o que é condizente com os mapas primordiais.
A ocorrência de táxons montanos em vários dos registros pode mostrar um resfriamento da bacia durante o pleniglacial, e especialmente para os Andes é tida como a evidência de que os cinturões de vegetação (páramo, bosque andino, etc.) foram rebaixados criando comunidades vegetais floristicamente misturadas, sem análogos atuais, contrariando a idéia prévia de que os cinturões desceram como entidades únicas.
Neste texto, tratei de como os dados palinológicos são usados, porém existem outras fontes de dados valiosas para interpretações paleoambientais, como a atividade de dunas no pleniglacial, a ocorrência de grandes mamíferos em áreas hoje florestadas, entre outros conjuntos de dados geo-paleontológicos.
Nota: O último glacial é dividido em inferior, médio e superior. O médio é o pleniglacial (entre 70 Ky e 15 Ky). De 15 a 11 Ky é o tardiglacial, que engloba um evento chamado de Young Dryas (+-11 Ky), o último suspiro do glacial antes de entrar de vez nas condições úmidas e quentes do Holoceno. O Último Máximo Glacial (UMG) está dentro do pleniglacial.
Para ler
Anhuf et al. (2006). Paleo-Environmental Change in Amazonian and African Rainforest during the LGM. Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology 239, 510–527.
Colinvaux & Oliveira (2001). Amazon Plant diversity and climate through the Cenozoic. Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology 166, 51-63.
Haffer & Prance (2002). Impulsos climáticos da evolução na Amazônia durante o Cenozóico: sobre a teoria dos Refúgios da diferenciação biótica. Estudos avançados 46, 175-206.
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Por que história sem tempo é só estória
Usar as relações evolutivas entre grupos de organismos para reconstruir a história de grandes áreas de endemismo. Aproveitando o rápido avanço metodológico em técnicas de reconstrução filogenética no decorrer da segunda metade do Século XX, o surgimento da biogeografia cladista em meados da década de 60 representou um salto à frente em relação à biogeografia descritiva que a antecedeu. O primeiro impulso se deu por uma adaptação simples do método filogenético a um contexto geográfico: por que não substituir as espécies, que representam os terminais de um cladograma, pelas áreas onde elas ocorrem? Em teoria, amostrando organismos filogeneticamente relacionados (por exemplo, pertencentes a um mesmo gênero, a uma mesa família, etc.) e abrangendo regiões geográficas que abriguem grupos exclusivos de espécies, as afinidades evolutivas entre as espécies poderiam fornecer indícios sobre a história geológica dessas regiões. Se o mesmo padrão evolutivo (cladogramas similares) for obtido estudando-se outros grupos de organismos, a inferência sobre eventos históricos que moldaram esse padrão poderia ser considerada mais forte.
Apesar da inovação introduzida ao campo da biogeografia, uma limitação importante deste método baseado quase exclusivamente na concordância entre topologias conduziu a biogeografia cladista a um período de estagnação cerca de duas décadas após sua formalização: a falta de informação temporal integrada aos cladogramas. Uma vez que cladogramas representam uma hipótese de relacionamento evolutivo entre os organismos amostrados, não considerando o tempo de divergência entre os terminais, cladogramas similares podem ser originados por eventos históricos tão distintos quanto um evento vicariante que segmentou a distribuição de uma linhagem ancestral no Eoceno (> 34 milhões de anos antes do presente) e um evento de dispersão e colonização de uma nova área, por exemplo, no Mioceno (< 23 milhões de anos antes do presente). Da mesma forma, a incongruência entre cladogramas não necessariamente significa que as distribuições atuais de grupos diferentes de organismos não tenham sido impactadas pelos mesmos eventos históricos. Eventos de dispersão recentes, assim como a extinção de linhagens em determinadas regiões geográficas de interesse, podem originar cladogramas que discordam quanto a uma hipótese biogeográfica em particular. À coincidência e à discordância entre cladogramas resultante da ausência de informação sobre o tempo aproximado em que cada episódio de divergência ocorreu Donoghue & Moore (2003) deram o nome de “pseudo-congruência” e “pseudo-incongruência”.
Vislumbrando um futuro promissor para o desenvolvimento de métodos que integrem o tempo às filogenias de organismos representando suas áreas de ocorrência, Donoghue & Moore (2003) sugeriram a adoção de técnicas preliminares simples para a escolha dos grupos de estudo (como a escolha de grupos com distribuição geográfica similar, e com idades semelhantes, estimadas de forma independente), para a inserção de dados temporais sobre filogenias (como a calibração por fósseis ou a utilização de dados moleculares para estimar o tempo relativo das divergências) e a adaptação de modelos já aplicados em estudos evolutivos (por exemplo, abordando a co-evolução entre parasitas e seus hospedeiros) em estudos biogeográficos. Apesar da controvérsia sobre a confiabilidade em métodos de datação e sobre a aplicação de modelos de evolução específicos a sistemas potencialmente muito dinâmicos, os autores consideram a integração do tempo à biogeografia um salto tão crucial quanto a integração dos métodos filogenéticos às questões biogeográficas foi no passado.
Apesar da inovação introduzida ao campo da biogeografia, uma limitação importante deste método baseado quase exclusivamente na concordância entre topologias conduziu a biogeografia cladista a um período de estagnação cerca de duas décadas após sua formalização: a falta de informação temporal integrada aos cladogramas. Uma vez que cladogramas representam uma hipótese de relacionamento evolutivo entre os organismos amostrados, não considerando o tempo de divergência entre os terminais, cladogramas similares podem ser originados por eventos históricos tão distintos quanto um evento vicariante que segmentou a distribuição de uma linhagem ancestral no Eoceno (> 34 milhões de anos antes do presente) e um evento de dispersão e colonização de uma nova área, por exemplo, no Mioceno (< 23 milhões de anos antes do presente). Da mesma forma, a incongruência entre cladogramas não necessariamente significa que as distribuições atuais de grupos diferentes de organismos não tenham sido impactadas pelos mesmos eventos históricos. Eventos de dispersão recentes, assim como a extinção de linhagens em determinadas regiões geográficas de interesse, podem originar cladogramas que discordam quanto a uma hipótese biogeográfica em particular. À coincidência e à discordância entre cladogramas resultante da ausência de informação sobre o tempo aproximado em que cada episódio de divergência ocorreu Donoghue & Moore (2003) deram o nome de “pseudo-congruência” e “pseudo-incongruência”.
Vislumbrando um futuro promissor para o desenvolvimento de métodos que integrem o tempo às filogenias de organismos representando suas áreas de ocorrência, Donoghue & Moore (2003) sugeriram a adoção de técnicas preliminares simples para a escolha dos grupos de estudo (como a escolha de grupos com distribuição geográfica similar, e com idades semelhantes, estimadas de forma independente), para a inserção de dados temporais sobre filogenias (como a calibração por fósseis ou a utilização de dados moleculares para estimar o tempo relativo das divergências) e a adaptação de modelos já aplicados em estudos evolutivos (por exemplo, abordando a co-evolução entre parasitas e seus hospedeiros) em estudos biogeográficos. Apesar da controvérsia sobre a confiabilidade em métodos de datação e sobre a aplicação de modelos de evolução específicos a sistemas potencialmente muito dinâmicos, os autores consideram a integração do tempo à biogeografia um salto tão crucial quanto a integração dos métodos filogenéticos às questões biogeográficas foi no passado.
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
Panbiogeografia e o conceito de vicariância
O botânico italiano Leon Croizat (1894-1982) é uma figura controversa na história recente da biogeografia. Baseado na metáfora de que "a vida e a Terra evoluem juntas" - que significa que as barreiras geográficas e as biotas coevoluem - Croizat, que trabalhou por muito tempo na Venezuela, desenvolveu uma nova metodologia em biogeografia, a 'Panbiogeografia'. Esse método consiste basicamente em plotar distribuições de organismos em mapas e conectar as áreas de distribuições disjuntas ou localidades de coleta com linhas chamadas 'tracks'. Croizat encontrou que tracks de grupos diferentes e não relacionados muitas vezes eram coincidentes e chamou os tracks comuns a vários grupos de 'generalized tracks', que indicam a pré-existência de biotas ancestrais, que foram fragmentadas simultaneamente por mudanças climáticas ou tectônicas. A originalidade está na idéia de que os organismos dispersam (aumentam suas distribuições) naturalmente e depois se tornam geograficamente isolados por eventos históricos comuns, dando origem ao conceito de vicariância.
Alguns autores, principalmente os que perteciam à escola dispersalista, dominante na época, desprezaram as contribuições de Croizat, considerando-o idiossincrático ou excêntrico. Outros consideram Croizat como um dos pensadores mais originais da biologia comparativa moderna, sendo que suas contribuições colaboraram para a fundação de uma nova síntese entre as ciências da vida e as ciências da Terra. Tendo sido seguida pela sistemática filogenética, a panbiogeografia de Croizat foi central para o desenvolvimento da biogeografia cladista ou biogeografia de vicariância.
Assim, uma ênfase inicial em dispersão sobre uma Terra estável foi substituída por uma idéia de co-evolução entre a biota e uma Terra dinâmica, de modo que a diversificação (origem das espécies) se daria primordialmente por vicariância. Talvez agora a biogeografia esteja se aproximando de um meio termo, que procura entender a complexidade envolvida na evolução de biotas influenciadas tanto por eventos de vicariância quanto de dispersão. Isso só é possível devido à evolução de metodologias capazes de "inferir o passado", reconstruindo a história da vida na Terra de modo cada vez mais preciso.
ps. Para entender melhor esse debate é preciso reconhecer a diferença entre "dispersal" que significa dispersão por longa distância de modo estocástico; e "dispersion" que se refere à expansão das áreas de distribuição dos grupos ao longo do tempo.
Referências:
Parenti, L.R., Ebach, M.C. 2009 Comparative Biogeography: Discovering and Classifying Biogeographical Patterns of a Dynamic Earth (Species and Systematics). Univ. of California Press. Vejam comentários sobre esse livro recém publicado aqui.
Morrone JJ. 2000. Between the taunt and the eulogy: Leon Croizat and the panbiogeography. INTERCIENCIA 25: (1) 41-47.
Alguns autores, principalmente os que perteciam à escola dispersalista, dominante na época, desprezaram as contribuições de Croizat, considerando-o idiossincrático ou excêntrico. Outros consideram Croizat como um dos pensadores mais originais da biologia comparativa moderna, sendo que suas contribuições colaboraram para a fundação de uma nova síntese entre as ciências da vida e as ciências da Terra. Tendo sido seguida pela sistemática filogenética, a panbiogeografia de Croizat foi central para o desenvolvimento da biogeografia cladista ou biogeografia de vicariância.
Assim, uma ênfase inicial em dispersão sobre uma Terra estável foi substituída por uma idéia de co-evolução entre a biota e uma Terra dinâmica, de modo que a diversificação (origem das espécies) se daria primordialmente por vicariância. Talvez agora a biogeografia esteja se aproximando de um meio termo, que procura entender a complexidade envolvida na evolução de biotas influenciadas tanto por eventos de vicariância quanto de dispersão. Isso só é possível devido à evolução de metodologias capazes de "inferir o passado", reconstruindo a história da vida na Terra de modo cada vez mais preciso.
ps. Para entender melhor esse debate é preciso reconhecer a diferença entre "dispersal" que significa dispersão por longa distância de modo estocástico; e "dispersion" que se refere à expansão das áreas de distribuição dos grupos ao longo do tempo.
Referências:
Parenti, L.R., Ebach, M.C. 2009 Comparative Biogeography: Discovering and Classifying Biogeographical Patterns of a Dynamic Earth (Species and Systematics). Univ. of California Press. Vejam comentários sobre esse livro recém publicado aqui.
Morrone JJ. 2000. Between the taunt and the eulogy: Leon Croizat and the panbiogeography. INTERCIENCIA 25: (1) 41-47.
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
Patterns and processes in riverine fish diversity: a macroecological approach (palestra do Dr Thierry Oberdorff)
O Dr. Thierry Oberdorff está visitando Manaus e o INPA e aceitou fazer uma palestra hoje, dia 13/11, às 14:00 no auditório do BADPI, CPBA.
O Dr. Thierry Oberdorff é cientista sênior do Institute for Development (IRD) e doutor em ecologia pelo Museu Nacional de História Natural-Paris (MNHN). Desenvolve pesquisas sobre padrões e processos em peixes de água doce em macroescala e os efeitos antropogênicos na estrutura e funcionamento das comunidades de peixes. Publicou mais de 50 trabalhos e cerca de 10 capítulos de livros sobre o assunto e é revisor de mais de 10 revistas científicas, entre elas a Ecology, Journal of Animal Ecology, Journal of Biogeography and Global Ecology and Biogeography.
A palestra dele versará sobre padrões em diversidade de peixes de água doce.
Patterns and processes in riverine fish diversity: a macroecological approach
Here I integrate the respective role of local, regional and continental factors in generating riverine fish diversity patterns, to develop a synthetic model of mechanisms generating these patterns. This framework allows diversity to be broken down into different components specific to each spatial scale, and to establish links between these components and the processes involved. This framework should help assessing current and future anthropogenic impact on riverine fish diversity.
O Dr. Thierry Oberdorff é cientista sênior do Institute for Development (IRD) e doutor em ecologia pelo Museu Nacional de História Natural-Paris (MNHN). Desenvolve pesquisas sobre padrões e processos em peixes de água doce em macroescala e os efeitos antropogênicos na estrutura e funcionamento das comunidades de peixes. Publicou mais de 50 trabalhos e cerca de 10 capítulos de livros sobre o assunto e é revisor de mais de 10 revistas científicas, entre elas a Ecology, Journal of Animal Ecology, Journal of Biogeography and Global Ecology and Biogeography.
A palestra dele versará sobre padrões em diversidade de peixes de água doce.
Patterns and processes in riverine fish diversity: a macroecological approach
Here I integrate the respective role of local, regional and continental factors in generating riverine fish diversity patterns, to develop a synthetic model of mechanisms generating these patterns. This framework allows diversity to be broken down into different components specific to each spatial scale, and to establish links between these components and the processes involved. This framework should help assessing current and future anthropogenic impact on riverine fish diversity.
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
Reunião 19/11 - PEDRO IVO - Donoghue and Moore 2003
Segue a referência para o artigo da reunião de 19/11:
Donoghue and Moore (2003). Toward an integrative historical biogeography. Integrative and Comparative Biology 43: 261-270.
Ele será apresentado pelo Pedro Ivo.
Donoghue and Moore (2003). Toward an integrative historical biogeography. Integrative and Comparative Biology 43: 261-270.
Ele será apresentado pelo Pedro Ivo.
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
Um debate recente na literatura relacionado a análises filogeográficas está baseado no crescente número de estudos envolvendo modelagem de nicho. Com a disponibilização de modelos climáticos do último máximo glacial (LGM) e do último interglacial (LIG) diversos estudos têm tentado estimar a distribuição potencial de espécies Neotropicais nesses dois períodos. O problema é que esses estudos consistentemente mostram distribuições bastante restritas para as espécies das florestas Neotropicais no LGM, mas acontece que as análises filogeográficas desses mesmos grupos, também consistentemente, mostram clados bem definidos com origem anterior ao LGM (que data de apenas 21.000 anos atrás). Ou seja, apesar das alterações drásticas nos padrões de distribuição que teriam ocorrido no LGM, a diversidade que vemos hoje tem origem bem anterior a isso. O que teria gerado a diversidade então, se alterações tão drásticas no LGM não geraram? Ou, mais intrigante ainda, por que essas alterações no LGM não extinguiram grande parte da diversidade existente? O comentário do Townsend Peterson publicado no boletim da International Biogeography Society aborda, entre outras coisas, esse assunto. Talvez alguém se interesse em conduzir uma discussão sobre esse tema??
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Biogeografia integrativa: resolvendo nós e ampliando laços
A biogeografia é um ramo da ciência essencialmente multidisciplinar que está em plena revolução metodológica em grande parte causada pela influência das ferramentas moleculares. As técnicas empregadas vem reduzindo o abismo entre estudos microevolutivos (tamanho/estrutura populacional, expansão/contração de distribuição geográfica, taxas de migração, dispersão em longa distância, etc.) e macroevolutivos (especiação, extinção, composição de biotas), podendo revelar espécies crípticas em casos em que não existe variação morfológica evidente. Uma contribuição peculiar que as filogenias moleculares exercem é a possibilidade de incorporar o tempo nas análises espaciais, permitindo a datação de eventos cladogenéticos e o teste de hipóteses sobre eventos paleoclimáticos e geológicos.
Caminhos paralelos
Basicamente, a biogeografia estuda a distribuição geográfica dos seres vivos, mas abriga vertentes distintas, como a biogeografia histórica e a biogeografia ecológica (Crisci 2001). Para ambas, a diversidade biológica é resultado da história da vida no planeta expressa através de mudanças de forma no espaço e no tempo. Porém, a biogeografia ecológica tem estudado processos ecológicos determinantes dos padrões de distribuição dos táxons geralmente em períodos curtos no tempo, enquanto a biogeografia histórica os processos que atuam em longos períodos (p.ex. milhões de anos). Aparentemente, a divisão entre essas tradições é uma limitação de ordem prática, pois a distribuição dos táxons não é resultado de processos ecológicos ou históricos agindo isoladamente, havendo uma necessidade de integrar essas linhas de pesquisa. Mesmo dentro da biogeografia histórica, existe uma diversidade de métodos e explicações que geram discussões acaloradas.
Um assunto polêmico com potencial de conciliação envolve a polarização entre vicariância e dispersão. Ambos os processos podem explicar a diversificação de populações. Para o modelo vicariante, duas populações se diferenciam após a separação de uma população ancestral pelo surgimento de uma barreira geográfica. Já o modelo de dispersão assume que a população ancestral foi capaz de dispersar além de uma barreira em algum momento no tempo, mas posteriormente foi isolada e acabou se diferenciando em duas linhagens distintas, como ilustrado na figura ao lado (extraída de Crisci 2001). Essas explicações não são mutuamente exclusivas, pois pode haver dispersão após um evento vicariante (Pennington e Dick 2004). De novo, as técnicas moleculares empregadas em biogeografia tem a capacidade integrar e quantificar esses padrões, o que permite o teste de hipóteses sobre a diversificação da biota na Amazônia de forma robusta.
O papel da filogeografia
A contribuição da filogeografia para o desenvolvimento da biogeografia histórica é imensa. A filogeografia vem sendo desenvolvida para estudar processos que determinam a distribuição geográfica de linhagens evolutivas em nível intra-específico ou, mais raramente, de espécies filogeneticamente próximas. Os métodos são dependentes do uso de dados moleculares e tem um viés quantitativo, herdado da genética de populações. Entretanto, embora haja muito em comum em suas premissas e objetivos, o desenvolvimento da filogeografia ocorreu de maneira relativamente independente do restante da biogeografia histórica. Segundo Riddle e Hafner (2006), a falta de integração entre filogeografia e biogeografia histórica pode ser vista pela incongruência entre o uso de termos, conceitos e métodos que são fundamentais para biogeografia histórica. Por exemplo, a falta de integração de métodos é refletida na raridade de estudos de filogeografia que consideram o conceito de área de endemismo, uma unidade fundamental de análise em biogeografia histórica. Em relação ao período de tempo, a maioria dos estudos filogeográficos (barra escura) aborda linhagens em nível intra-específico e por isso está concentrada em tempos recentes, enquanto que os estudos em biogeografia histórica (barra clara) estão mais bem distribuídos no tempo.
Um exemplo da Amazônia: da Silva e Patton 1993
É certo que considerar um ou poucos táxons é insuficiente para reconstruir a história de áreas geográficas. Contudo, o fato que a maioria dos estudos em filogeografia tenha sido feita em nível intra-específico não inviabiliza que estudos envolvendo vários táxons sejam feitos. Desde o início da década de 90, alguns estudos filogeográficos envolvendo populações de várias espécies visaram reconstruir a história biogeográfica de regiões. Como exemplo, achei um estudo que a Lelé desenvolveu com o James Patton na Amazônia (da Silva e Patton 1993). Eles estudaram 9 espécies de roedores arborícolas da família Echymidae pertencentes a 5 gêneros: Mesomys, Isothrix, Makalata, Dactylomis e Echimys. A idéia era testar se as populações das diferentes linhagens apresentavam concordância geográfica em suas diversificações, o que é um forte indício de uma história comum. Eles estudaram 65 indivíduos distribuídos entre 24 localidades (Venezuela, Peru, Brasil e Bolívia), usando sequências do gene citocromo b do DNA mitocondrial para determinar as relações filogenéticas. Os resultados indicam que existem mais de 20 haplótipos de citocromo b e que a distribuição deles tem uma forte estrutura geográfica. Eles indicam uma forte congruência na distribuição dos clados, sugerindo uma história vicariante em comum para esses gêneros. Por fim, eles estimaram em mais de 1 milhão de anos o tempo de divergência entre maiores clados dos gêneros, o que significa que a especiação alopátrica das linhagens que deu origem aos gêneros deve ter ocorrido antes do Pleistoceno.
A evolução da biogeografia
A perspectiva molecular está revolucionando os estudos biogeográficos, permitindo reconstruir a história da diversificação de populações, espécies e biotas com grande robustez. Cada vez mais, a obtenção de dados moleculares em grande volume será mais simples e viável. Por outro lado, ao embutir o tempo como dimensão, é possível também desenvolver modelos preditivos, por exemplo dos efeitos climáticos do aquecimento global sobre as populações e espécies na Amazônia, uma ferramenta importante no planejamento da conservação de espécies ameaçadas nas décadas seguintes. Além de solucionar antigas disparidades, as filogenias moleculares prometem levar a biogeografia a um patamar inovador, integrativo.
Para ler
Para discutir
Caminhos paralelos
Basicamente, a biogeografia estuda a distribuição geográfica dos seres vivos, mas abriga vertentes distintas, como a biogeografia histórica e a biogeografia ecológica (Crisci 2001). Para ambas, a diversidade biológica é resultado da história da vida no planeta expressa através de mudanças de forma no espaço e no tempo. Porém, a biogeografia ecológica tem estudado processos ecológicos determinantes dos padrões de distribuição dos táxons geralmente em períodos curtos no tempo, enquanto a biogeografia histórica os processos que atuam em longos períodos (p.ex. milhões de anos). Aparentemente, a divisão entre essas tradições é uma limitação de ordem prática, pois a distribuição dos táxons não é resultado de processos ecológicos ou históricos agindo isoladamente, havendo uma necessidade de integrar essas linhas de pesquisa. Mesmo dentro da biogeografia histórica, existe uma diversidade de métodos e explicações que geram discussões acaloradas.
Um assunto polêmico com potencial de conciliação envolve a polarização entre vicariância e dispersão. Ambos os processos podem explicar a diversificação de populações. Para o modelo vicariante, duas populações se diferenciam após a separação de uma população ancestral pelo surgimento de uma barreira geográfica. Já o modelo de dispersão assume que a população ancestral foi capaz de dispersar além de uma barreira em algum momento no tempo, mas posteriormente foi isolada e acabou se diferenciando em duas linhagens distintas, como ilustrado na figura ao lado (extraída de Crisci 2001). Essas explicações não são mutuamente exclusivas, pois pode haver dispersão após um evento vicariante (Pennington e Dick 2004). De novo, as técnicas moleculares empregadas em biogeografia tem a capacidade integrar e quantificar esses padrões, o que permite o teste de hipóteses sobre a diversificação da biota na Amazônia de forma robusta.
O papel da filogeografia
A contribuição da filogeografia para o desenvolvimento da biogeografia histórica é imensa. A filogeografia vem sendo desenvolvida para estudar processos que determinam a distribuição geográfica de linhagens evolutivas em nível intra-específico ou, mais raramente, de espécies filogeneticamente próximas. Os métodos são dependentes do uso de dados moleculares e tem um viés quantitativo, herdado da genética de populações. Entretanto, embora haja muito em comum em suas premissas e objetivos, o desenvolvimento da filogeografia ocorreu de maneira relativamente independente do restante da biogeografia histórica. Segundo Riddle e Hafner (2006), a falta de integração entre filogeografia e biogeografia histórica pode ser vista pela incongruência entre o uso de termos, conceitos e métodos que são fundamentais para biogeografia histórica. Por exemplo, a falta de integração de métodos é refletida na raridade de estudos de filogeografia que consideram o conceito de área de endemismo, uma unidade fundamental de análise em biogeografia histórica. Em relação ao período de tempo, a maioria dos estudos filogeográficos (barra escura) aborda linhagens em nível intra-específico e por isso está concentrada em tempos recentes, enquanto que os estudos em biogeografia histórica (barra clara) estão mais bem distribuídos no tempo.
Um exemplo da Amazônia: da Silva e Patton 1993
É certo que considerar um ou poucos táxons é insuficiente para reconstruir a história de áreas geográficas. Contudo, o fato que a maioria dos estudos em filogeografia tenha sido feita em nível intra-específico não inviabiliza que estudos envolvendo vários táxons sejam feitos. Desde o início da década de 90, alguns estudos filogeográficos envolvendo populações de várias espécies visaram reconstruir a história biogeográfica de regiões. Como exemplo, achei um estudo que a Lelé desenvolveu com o James Patton na Amazônia (da Silva e Patton 1993). Eles estudaram 9 espécies de roedores arborícolas da família Echymidae pertencentes a 5 gêneros: Mesomys, Isothrix, Makalata, Dactylomis e Echimys. A idéia era testar se as populações das diferentes linhagens apresentavam concordância geográfica em suas diversificações, o que é um forte indício de uma história comum. Eles estudaram 65 indivíduos distribuídos entre 24 localidades (Venezuela, Peru, Brasil e Bolívia), usando sequências do gene citocromo b do DNA mitocondrial para determinar as relações filogenéticas. Os resultados indicam que existem mais de 20 haplótipos de citocromo b e que a distribuição deles tem uma forte estrutura geográfica. Eles indicam uma forte congruência na distribuição dos clados, sugerindo uma história vicariante em comum para esses gêneros. Por fim, eles estimaram em mais de 1 milhão de anos o tempo de divergência entre maiores clados dos gêneros, o que significa que a especiação alopátrica das linhagens que deu origem aos gêneros deve ter ocorrido antes do Pleistoceno.
A evolução da biogeografia
A perspectiva molecular está revolucionando os estudos biogeográficos, permitindo reconstruir a história da diversificação de populações, espécies e biotas com grande robustez. Cada vez mais, a obtenção de dados moleculares em grande volume será mais simples e viável. Por outro lado, ao embutir o tempo como dimensão, é possível também desenvolver modelos preditivos, por exemplo dos efeitos climáticos do aquecimento global sobre as populações e espécies na Amazônia, uma ferramenta importante no planejamento da conservação de espécies ameaçadas nas décadas seguintes. Além de solucionar antigas disparidades, as filogenias moleculares prometem levar a biogeografia a um patamar inovador, integrativo.
Para ler
- Riddle et al. 2008. The role of molecular genetics in sculpting the future of integrative biogeography. Progress in Physical Geography 32(2):173–202.
- Crisci 2001. The voice of historical biogeography. Journal of Biogeography 28:157-168.
- da Silva e Patton 1993. Amazonian phylogeography: mtDNA sequence variation in arboreal echimyid rodents (Caviomorpha). Mol. Phylogenet. Evol. 2:243-255.
Para discutir
- A próxima reunião (5/11) será sobre esse assunto.
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
Reunião 5/11 - SACI - Riddle et al. 2008
O texto da reunião de 5/11 é uma revisão recente sobre a influência de dados moleculares sobre o desenvolvimento da biogeografia.
Riddle et al. (2008). The role of molecular genetics in sculpting the future of integrative biogeography. Progress in Physical Geography 32(2):173–202.
Ele será apresentado pelo Saci.
Riddle et al. (2008). The role of molecular genetics in sculpting the future of integrative biogeography. Progress in Physical Geography 32(2):173–202.
Ele será apresentado pelo Saci.
sábado, 24 de outubro de 2009
Serra do Padre (PARNA Pico da Neblina, AM)
Essa imagem foi tirada por André Nogueira, o Francês, que está estudando os efeitos de gradientes altitudinais sobre a diversidade de aranhas na Amazônia. Ele coletou em duas montanhas, na Serra do Tapirapecó em 2006 e no Pico da Neblina em 2007. Foto tirada a partir do 5o. PEF (Pelotão Especial de Fronteira) em Maturacá (AM).
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Primeiros passos
Olá pessoal,
No encontro de 22/10 conversamos sobre o formato das atividades iniciais do grupo até o final do ano.
Basicamente, as atividades serão realizadas em reuniões periódicas no INPA e virtualmente através do blog: http://biogeoamazonica.blogspot.com/.
A princípio, as reuniões serão quinzenais, exceto a última devido à proximidade das festas de fim de ano. De acordo com o andamento, pretendemos fazer atividades semanais, sempre às quintas às 17h.
Em cada encontro, poderá ser feita uma apresentação breve (uns 10 min), embora não seja necessário apresentar o tema, pois a idéia é que todos leiam os textos antes e participem.
Além das datas, definimos os candidatos a conduzir as discussões.
05/11 - SaciNo encontro de 22/10 conversamos sobre o formato das atividades iniciais do grupo até o final do ano.
Basicamente, as atividades serão realizadas em reuniões periódicas no INPA e virtualmente através do blog: http://biogeoamazonica.blogspot.com/.
A princípio, as reuniões serão quinzenais, exceto a última devido à proximidade das festas de fim de ano. De acordo com o andamento, pretendemos fazer atividades semanais, sempre às quintas às 17h.
Em cada encontro, poderá ser feita uma apresentação breve (uns 10 min), embora não seja necessário apresentar o tema, pois a idéia é que todos leiam os textos antes e participem.
Além das datas, definimos os candidatos a conduzir as discussões.
19/11 - Pedro Ivo
3/12 - Flávia Pezzini
10/12 - Igor Kaefer
No rodapé do blog coloquei uma agenda com a programação das atividades, tema, apresentador, etc... (veja lá embaixo - use a tecla end como atalho).
Os temas, artigos, capítulos de livros, etc. das reuniões serão escolhidos pelos interessados em apresentar, mas pretendemos abordar os assuntos em blocos (p.ex., paleoecologia, biogeografia histórica).
O blog é útil para organizar as atividades do grupo e agregar as discussões, permitindo a contribuição de pessoas que não puderam participar da reunião.
Participaram da reunião (22/10/09): Camila Ribas, Bruno Luize, Igor Kaefer, Carlos D'Apolito Jr, Ricardo Braga-Neto (Saci), Flávia Pezzini, Renata Frederico, José Wagner "Xuleta" e Pedro Ivo Simões.
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
Reunião inicial do grupo de discussão sobre biogeografia
Nosso primeiro encontro será realizado dia 22 de outubro (quinta feira) às 17h na sala de aula do BADPI.
A idéia é conversarmos sobre o formato, a peridiocidade dos encontros e alguns temas e artigos para iniciarmos as atividades.
A proposta básica é ter apresentações feitas principalmente pelos participantes do grupo sobre assuntos de interesse geral ou particular.
As apresentações serão curtas, seguidas de um bate papo sobre os temas levantados.
A idéia é conversarmos sobre o formato, a peridiocidade dos encontros e alguns temas e artigos para iniciarmos as atividades.
A proposta básica é ter apresentações feitas principalmente pelos participantes do grupo sobre assuntos de interesse geral ou particular.
As apresentações serão curtas, seguidas de um bate papo sobre os temas levantados.
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
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