Desde os tempos de Buffon, é bem conhecido que regiões diferentes do planeta hospedam biotas distintas, mas com algumas espécies em comum. Em 1858, o ornitólogo Philip Sclater propôs que um problema importante para a história natural seria estabelecer a “divisões ontológicas mais naturais” do planeta. O próprio Sclater propôs uma destas divisões que depois foi seguida com alguma modificação por Wallace. Esta é a conhecida divisão do mundo em regiões Neotropical, Neártica, Paleotropical etc. As questões levantadas por Sclater continuam modernas mesmo depois de tanto tempo e do advento das ferramentas de geoprocessamento e da sistemática molecular.
Recentemente, em sua proposta de biogeografia evolutiva, Morrone (2009) sugeriu que antes de fazer tais regionalizações biológicas é necessário identificar os componentes bióticos de uma fauna ou flora. Tais componentes bióticos são “conjuntos de táxons integrados espaço-temporalmente que coexistem em determinada área” (Morrone 2009). Do ponto de vista de abordagens conceituais/metodológicas estes componentes bióticos podem ser identificados ou reconhecidos através de traços generalizados da tradição panbiogeografica de Croizat, de áreas de endemismo da tradição da biogeografia cladística e, mais recentemente, dos elementos bióticos propostos por Hausdorf com raízes na biogeografia ecológica.
Como identificar os componentes bióticos na Amazônia? Há tempos a Amazônia é tida como uma região biogeograficamente distinta de outras regiões. Entretanto, as divisões ontológicas internas na Amazônia ainda precisam ser mais bem conhecidas, ainda mais em um sistema com biodiversidade sub-amostrada. Talvez tenha sido o ornitólogo e geólogo Jürgen Haffer, o primeiro a descrever as divisões internas da Amazônia no escopo da teoria dos refúgios. Haffer iniciou uma tradição de se identificar componentes bióticos na Amazônia que se estendeu a vários táxons como plantas e invertebrados. Infelizmente, tal tradição teve seu ímpeto refreado pela conclusão de que a sub-amostragem de biodiversidade na bacia amazônica tinha grande efeito no estabelecimento dos componentes bióticos regionais. A escassez de dados, entretanto, não deve ser desculpa para não se avançar no entendimento das divisões biogeográficas da Amazônia com o risco de considerá-la homogênea do ponto de vista da distribuição das espécies.
Os biólogos que trabalham na Amazônia devem continuar avançando no conhecimento da fauna e flora de vários sub-setores da bacia, bem como sintetizar os conhecimentos esparsos da distribuição destas espécies para elaborar cenários hipotéticos de componentes bióticos. Algumas propostas de componentes bióticos para a Amazônia já existem na forma de áreas de endemismo e de traços generalizados. O quanto estes componentes se aplicam a diversos táxons ainda precisa ser melhor investigado. A identificação de componentes bióticos para a Amazônia é de fundamental importância para se entender os cenários de evolução geobiótica e estabelecer e avaliar as prioridades de conservação regional.
Texto e condução da discussão dia 25: Dr. Sergio Henrique Borges (FVA)
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Artigos para leitura e discussão dia 25 de fevereiro de 2010
Harold, A.S. e Mooi, R.D. 1994. Areas of endemism: definition and recognition criteria. Systematic Biology 43: 261-266.
Hausdorf, B. 2002. Units in biogeography. Systematic Biology 51: 648-652.
Morrone, J. 1994. On the identification of areas of endemism. Systematic Biology 43: 438-441.
Morrone, J. 2004. Panbiogeografía, componentes bióticos y zonas de transición. Revista Brasileira de Entomologia 48: 149-162.
Literatura Complementar
Franco, P.R. e Berg, C.C. 1997. Distributional patterns of Cecropia (Cecropiaceae): a panbiogeographic analysis. Caldasia 19: 285-296.
Morrone, J. 2000. A new regional biogeography of the Amazonian subregion, mainly based on animal taxa. Anales de Instituto de Biología de la UNAM, Serie Zoologia 71: 99-123.
Morrone, J. 2009. Evolutionary biogeography: an integrative approach with case studies. Columbia Press.
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